CABECEIRA ASSOMBRADA: DICAS DE LEITURAS E ARREPIOS PARA O DIA DAS BRUXAS – OSCAR NESTAREZ

Coluna | Terra Treva


É Halloween, enfim! Sem dúvida a data mais esperada do ano por quem ama a ficção de horror, seja literária, cinematográfica ou em qualquer outra linguagem. É tempo de rever filmes preferidos, de assistir a novos, de maratonar séries e de colocar as leituras em dia.

Por isso, para ajudar você a povoar sua cabeceira (e sua cabeça) com histórias que trazem aquela vibração do horror que tanto amamos, elaboramos uma breve lista de recomendações. São títulos lidos ou lançados recentemente, todos (com a exceção, talvez, de Clive Barker) facilmente encontráveis por aí. Vamos lá:


O Terror (romance de Dan Simmons)

Começamos pela narrativa de proporções épicas (mais de 700 páginas) que deu origem à primeira temporada da série de mesmo nome da AMC, e que está disponível na Amazon Prime. Na obra, Simmons, autor norte-americano conhecido pelo trabalho com ficção científica e fantasia, “reimagina” a trágica Expedição Franklin, como ficou conhecida a jornada de dois navios da marinha inglesa que, em 1845, partiram rumo ao Ártico em busca de um atalho para os mares orientais. Comandadas pelo capitão John Franklin, as embarcações e seus mais de 130 homens acabaram encalhando no mar congelado do extremo norte.

De forma muito simplificada, esses são os fatos históricos. E Simmons os relata com imenso engenho, construindo personagens memoráveis e acrescentando, às inumeráveis dificuldades enfrentadas pelos homens, horrores sobrenaturais e outros bastante humanos. Impressionam muito a força da narrativa, que pouquíssimas vezes se perde ao longo da história, e algumas passagens realmente arrepiantes.


As coisas que perdemos no fogo (contos de Mariana Enriquez)

A coletânea de contos da argentina Mariana Enriquez já se aproxima da categoria “clássico moderno”. As histórias impressionam e assombram leitores e leitoras das mais diferentes naturezas, alcançando territórios muito além do horror. Mas é a essa categoria a que pertencem, revelando o quanto aquilo que nos assusta pode dialogar com outros aspectos de nossas essências.

São narrativas de diferentes temáticas que, ao se inserirem na vida cotidiana — ou por esse motivo —, espelham também questões sociais e culturais dos tempos atuais. Por isso, muitos críticos atribuem, a Mariana Enriquez, o selo do “horror político”. Ela aceita a categorização, mas destaca que não é o engajamento que a leva a escrever: “Nos meus contos, há questões políticas de hoje e do passado — por exemplo, o desaparecimento de corpos, algo recorrente durante a ditadura argentina. Mas não penso tanto nisso quando escrevo”, explica a escritora em entrevista que realizamos com ela na Flip de 2019. “Sim, são temas que me interessam pessoalmente — o racismo, o desamparo das pessoas que estão à margem do sistema, entre outos —, mas não me interessa nada o tratamento desses temas a partir do realismo. Principalmente em literatura. Porque me parece que há profundidades — inclusive para mim mesma, como autora — às quais a ficção de cunho realista me impede de chegar”. Com efeito, em contos como “O pátio do vizinho”, “Os anos intoxicados” e “A casa de Adela”, os favoritos desta coluna, Enriquez realmente alcança tais profundezas.


Providence (hq de Alan Moore/Jacen Burrows)

Em meio às narrativas literárias, uma HQ: a revisão da vida e da obra de H.P. Lovecraft escrita pelo inglês Alan Moore e ilustrada pelo norte-americano Jacen Burrows. A obra veio na sequência de Neonomicon e O pátio, que têm o mesmo propósito. No entanto, Providence é, sem dúvida, um trabalho mais ambicioso, mais complexo e mais assustador do que seus precedentes.

Dividida em doze volumes (lançados aqui em três tomos pela Panini), a obra relata a jornada de Robert Black, jornalista e aspirante a escritor, em busca de ideias para seu primeiro romance. Ele se depara com uma espécie de ordem ocultista, a Stella Sapiente, e acaba se envolvendo em uma trama absolutamente insólita e assustadora que, em dado momento, envolverá a própria figura de H.P. Lovecraft. O roteiro de Moore tem a minúcia e a inteligência de costume, mas a HQ impressiona mesmo pela atmosfera do horror, sempre crescente — um procedimento narrativo que o próprio autor de “O chamado de Cthulhu” priorizava em suas histórias.


Livros de sangue, vol. 1 (contos de Clive Barker)

Recentemente, a editora carioca Darkside anunciou a publicação dos seis volumes de contos do britânico Clive Barker. Trata-se de uma grande notícia, já que a única edição de Os livros de sangue por aqui datava dos anos 1980, pela Civilização Brasileira. Em comemoração a isso, queremos recomendar veementemente o primeiro volume, com cinco narrativas que nos mostram a exuberância imaginativa do autor

Explorando temáticas diferentes, o criador de Hellraiser nos convidava a gravitar entre o sublime e o ofensivo, entre o irresistível e o medonho. Aqui, também já observamos uma operação que se tornaria marca distintiva de Barker: o uso de seduções das mais diversas naturezas (muitas vezes sexuais) como isca, enquanto a clava dos horrores permanece engenhosamente oculta até descer com força sobre o juízo das personagens – e sobre o nosso, claro. Toda a coletânea é ótima, mas destacamos dois contos: O trem de carne da meia-noite, pela alta octanagem de grotesco e por passagens arrepiantes; e Nas colinas, as cidades, que, na opinião deste signatário, é uma das obras mais visionárias e arrebatadoras da ficção literária de horror.


Marina (conto de Fernanda Braite)

O horror elaborado no Brasil também vai muito bem, obrigado. Novos autores e novas autoras despontam com frequência, suas vozes se somando àquelas de ficcionistas cujo trabalho já está consolidado. Uma dessas vozes é a da jornalista paulistana Fernanda Braite, cujo conto “Marina” se destaca na coletânea O melhor do te(ho)rror nacional, publicada pela editora carioca Luva em 2020.

Na história, acompanhamos um rapaz que, após ir ao velório de um tio distante, passa a ser atormentado pela figura de uma misteriosa menininha. Embora o enredo soe convencional, chama a atenção o talento de Braite para narrá-lo com suspense na medida e com doses precisas de humor, algo sempre difícil de se fazer quando se trata de horror. Destacamos, também, a mão segura com que a autora nos conduz pela narrativa, rumo a um clímax que sem dúvida não decepciona.


M, Os Contos Gorgônicos (contos de Jaime Azevedo)

Por falar em “mão”, nossa última recomendação é de um escritor que não tem medo algum de pesá-la na escrita. Trata-se do potiguar Jaime Azevedo, autor do romance Tudo que ama e rasteja (2017) e da coletânea M, Os Contos Gorgônicos (2016). Há similaridades entre as duas obras: a escrita elaborada, transitando entre a elegância e a sordidez; as imagens frequentemente escabrosas que Azevedo faz desfilar à nossa frente; a exploração minuciosa e violenta do corpo humano, resultando em passagens perversas e sensualmente fascinantes.

Enquanto o romance pertence mais a uma categoria que podemos chamar de “realismo mágico-grotesco”, a coletânea M, Os Contos Gorgônicos se situa, sem dúvida, no campo do horror. São três relatos interligados pela figura serpentina e ubíqua da Medusa; e no primeiro, que nos apresenta a um assassino e seus medonhos hábitos (no melhor sentido), Azevedo vai fundo na exploração da monstruosidade e dos fetiches extremos da personagem. Ainda que a história, por vezes, careça de uma modulação de ânimos para acentuar o horror (é tudo ininterruptamente denso e visceral), impressiona a pesada atmosfera construída pelo autor. Sem dúvida uma experiência de leitura da qual não se esquece com tranquilidade.

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Oscar Nestarez
 é pesquisador e escritor da ficção literária de horror. No campo da pesquisa acadêmica, possui Mestrado em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP e atualmente cursa Doutorado pela USP, tendo como objeto de estudos centrais a obra de Edgar Allan Poe. Como ficcionista, publicou Poe e Lovecraft: um ensaio sobre o medo na literatura (ed. Livrus, 2013), as antologias Sexorcista e outros relatos insólitos (ed. Livrus, 2014) e Horror adentro (ed. Kazuá, 2016), e o romance Bile negra (ed. Empíreo, 2017), além de contos em diversas coletâneas. É também colunista da Revista Galileu, em que aborda temas da ficção de horror.