#SEIS – GRAZIELA BRUM

Coluna | Campo de Heliantos


A Literatura é perigosa. Sempre foi. Antecipa a filosofia, a psicologia, os comportamentos. Mais do que isto, a Literatura, em um momento histórico fragmentado e desconexo, com sentidos engessados, mostra uma vertente imprescindível. Ela se afasta da própria Literatura, ou, pelo menos, afasta-se da palavra e de seus simbolismos imagéticos para priorizar a sonoridade. Existe um movimento claro no sentido de levar a Literatura da imagem para a Literatura da sonoridade. O que é fundamental, pois já apresentamos sinais de exaustão com o bombardeio visual de informações das mídias sociais, da internet, da vida moderna. Há uma estafa que nos paralisa e nos impede de aprofundar no sentido, no entendimento. A vida contemporânea apresenta inúmeras barreiras para impedir a experiência. Uma imagem atrás da outra nos absorve e nos toma o bem preciso da vida: o tempo. Diante disso, pode-se afirmar, a Literatura está morta.

A nova Literatura celebra as composições, as letras de Bob Dylan, conclama a poesia de Louise Glück. Assim, a Literatura precede mais uma vez o que a humanidade precisa: experiência. Não podemos mais viver a informação exagerada carregada de possibilidades de escolhas, de promessas falsas. A Literatura quer quebrar as carapuças de falsidade de uma sociedade superficial. Ela tenta penetrar nesse casulo para explodi-lo. Para isso, utiliza-se de poesia. Não falo somente da poesia visual, mas sobretudo, da poesia com capacidade de metamorfosear a palavra. É preciso dizer, a palavra crua, seca de significado não consegue transpor a crosta ignóbil que detém a humanidade. A poesia pega a palavra e extrai dela outras possibilidades, encontra subterfúgios para avançar por entre as partículas inorgânicas ao redor da humanidade e tocar o âmago do indivíduo, seja ele quem for. A poesia diz, por enquanto, adeus ao tecnicismo da informação e se utiliza da sensibilidade para elevar a capacidade de entendimento do mundo.

A nova literatura é perigosíssima.

Salve Herberto Helder!
Salve Hilda Hilst!
Salve a poesia!

Aliás,

escute o som da flauta vindo da borboleta azul. Ela sobrevoa o deserto infecundo. Duas asas abertas, recebe a luz do sol e reflete sem medo a cintilante energia, metamorfoseando no som da nossa alma. A borboleta azul sobreviverá quando o mundo for estilhaçado pela lâmina do homem. Ela é a poesia.

Digressões a parte, a poesia no centro da Literatura, afasta a Literatura da própria Literatura. Aplaude uma mulher, consagra uma poeta e diz que a escrita jamais será igual.  De certa forma, a Literatura caminha no contrafluxo do que vemos hoje no mundo. Alerta! A Literatura avisa, repensa a escrita e recomeça.

Recomeça, pois a literatura se inicia com a poesia falada, declamada ao rei, ao público. O que é bem interessante pensar e questionar, será que a Literatura volta a ser Literatura? Digo, pois a poesia tem que estar mais próxima da Literatura, ou seja, tem que ser Literatura, e mesmo que se aproxime das artes plásticas, ainda assim, é Literatura.

Questões, apenas para refletir sobre a escrita, para pensar sobre Literatura e continuar pelos caminhos sinuosos de Campo de Heliantos.

_______________________
Graziela Brum
 idealizou e coordena o Projeto Literário Senhoras Obscenas. Vencedora de dois concursos ProAc em São Paulo, com Fumaça (2014) e Jenipará (2019) – que é o primeiro romance de uma trilogia sobre a Amazônia -, também publicou Vejo Girassóis em Você (Lumme), de prosa poética.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
(Imagem Joan Miró i Ferrà)