Coluna | Campo de Heliantos
Mover-se. Corpo, casa, trabalho, enfim, trocar o estilo, adaptar-se, mesmo que o mundo tente nos paralisar, mesmo quando perdemos o significado das coisas e tudo se mostre triste e confuso. Mudar o entorno, mesmo que a arte permaneça em essência.
Aqui, talvez, das poucas certezas de 2020, o ano pandêmico, o ano dos enfrentamentos internos, das aprovações: o movimento nos impede de sucumbir.
Agora, mover-se, quando tudo pede reflexão e calma, é desafiador. Mover-se em tempo de luto, parece desumano. Trágico. Nesse aspecto, pode-se dizer: não se mover para qualquer lado, não se mexer para o egocentrismo, não procurar o ódio. Mover-se para dentro de si em direção aos sonhos. Mover-se para o que nos importa e nos ajuda expressar em arte.
Mais do que nunca, mover-se pela arte e em direção à arte, com o amadurecimento adquirido durante esse tempo devastador. A arte, por si só, não é o reconhecimento. Também não é o nível de profundidade da obra, mas o que nela dá conta do humano. E para ter humanidade, ela tem que tocar o sensível do outro. Ela tem que ter poesia. Que se diga mais uma vez, poesia, a forma mais viável para encontrar sinceridade na escrita.
A poesia é fluxo intenso de criação, transformação, resistência. Ela não diz apenas o que o escritor quer dizer, ela traz em si, as camadas de tantas escritas, de tantos valores; ela impede o EU egocêntrico de falar, escrever além da conta e destruir a obra com propósitos pessoais. Aliás, a arte não é o que se acredita. Ou o que é certo, ou errado, ela é a conexão poética de uma história com a íntima essência do outro, o sensível.
Enfim, mais uma vez, sempre, poesia. Em tempos nefastos, tristes, a poesia nos coloca em movimento, sobretudo, interno. Reativa a capacidade de regenerar e se realocar no processo de criação. Assim, seguimos, com a Literatura em processo de construção, sempre, de entendimento, de observação, para reencontrar novos espaços e tempos, numa constância marcada pela entrega de cada um que se dispõe a caminhar em arte.
E assim dizer, sem dúvida, é a constância o maior obstáculo dentro do projeto de escrita. Enquanto tudo desmorona, parece impossível e sem sentido sentar-se diante do computador e escrever mais um texto, mas também é sempre do caos, nos desacordos que surgem as melhores propostas de projetos. Afinal, Literatura é antes de tudo conflito. É o que falta. E nos últimos tempos, tem nos faltado muito.
Por fim, registro aqui que o projeto Campo de Heliantos, iniciado com um podcast e com esta coluna, na Revista Vício Velho, transformou-se no meu principal projeto de vida, justo por não ver outra forma de fazer Literatura que não seja a entrega genuína e total ao processo ser estar mulher poeta.
Campo de Heliantos agora é espaço físico, na Vila de Alter do Chão – Amazônia. Espaço de arte e residência literária. Aqui transito em devaneio, pesquiso, estudo, leio e escrevo. Também tento sobreviver as minhas dores e as dores do mundo e sigo, sigo na reflexão e no movimente de entender o que é Criatividade e Literatura.
Preciso ainda dizer, obrigada Carolina Hubert por aceitar meus textos na Revista Vício Velho, pelo incentivo, pelo carinho. A Vício Velho é um alento que me força ao movimento e me traz poesia. Muito bom ver a revista ganhar espaço e se destacar no meio literário.
Um 2021 poético para todos nós.
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Graziela Brum idealizou e coordena o Projeto Literário Senhoras Obscenas. Vencedora de dois concursos ProAc em São Paulo, com Fumaça (2014) e Jenipará (2019) – que é o primeiro romance de uma trilogia sobre a Amazônia -, também publicou Vejo Girassóis em Você (Lumme), de prosa poética.