#OITO – GRAZIELA BRUM

Coluna | Campo de Heliantos


Todo o processo criativo demanda diferentes tipos de faculdades para acontecer. O campo intuitivo é um importante elemento dentro do processo, mas é imprescindível dizer que para ser criativo há necessidade, sobretudo, de conquistar primeiro uma base fortalecida no campo do raciocínio lógico. O raciocínio lógico, na forma mais básica, trabalha com as conclusões dedutivas de premissas, o que Aristóteles chamou de Silogismo.

A mais conhecida, traz três preposições: duas premissas e uma conclusão. Exemplo:

“Toda mulher nasce na Floresta Amazônica.
Genara é mulher.
Logo, Genara nasceu na Floresta Amazônica.”

Aqui, pode-se brincar com as premissas; como trazer duas premissas contraditórias e assim concluir que tudo é falso. Seja como for, neste formato não há nada de novo, não se consegue evocar elemento singular que possa conectar com o espírito da construção de uma obra de arte. As técnicas são dispostas tais quais suas regras e, dessa forma, não se ultrapassa o limite da transcendentalidade. Na lógica, adentra-se o campo da conclusão, o que, de todo modo, não possui grande relevância na arte, visto que em arte se busca o questionamento, a reflexão e os desdobramentos de uma ideia, sem nenhum resultado. Não existe o entendimento fixo de uma obra. Aliás, cada espectador pode encará-la de uma maneira, dependendo do repertório que possui e, ainda, o espectador, na maioria das vezes, na gênese de um processo criativo, encontra, em primeiro plano, o raciocínio lógico. No entanto, a evolução do processo ocorre quando o indivíduo se permite explorar o entorno e observar os impactos internos de suas experiências.

Para isso, é necessário estimular o encorajamento ativo, já que quase sempre o indivíduo se depara envolvido em pequenos sucessos e inúmeros erros. O ser criativo incorpora o erro como elemento do processo, sem subjugar-se pela hipotética falha.

Nesse contexto, pode-se ainda usar duas premissas, que se conectam e interagem no objetivo de criar uma terceira, mas agora não mais pela dedução lógica, senão pelo valor poético. Quando se observa a expressão poética no que se escuta e no que se vê, as referências lógicas tomam outras dimensões, mais ampliadas e penetrantes. Dessa análise, pode-se encontrar entendimentos que estão além das palavras. Enfim, um processo de construção e, sobretudo, um processo de experimentação, que coloca à prova em cada segundo a estrutura do nosso pensamento. Aliás, fundamental que se pergunte: Como pensamos? Entender como pensamos é uma excelente maneira de compreender o próprio pensamento.

Diante desta premissa, deve-se dizer que um elemento fundamental para encontrar o entendimento além das palavras está no silêncio. Cultivar o silêncio em arte é, antes de mais nada, aproveitar o momento de produção, patrimônio para o artista que o cultiva, visto a possibilidade de encontrar dentro desse espaço (vazio) a linha narrativa da construção. O silêncio como instrumento, como lente, para observar, elencar, depurar e, sobretudo, escutar. Parece mais um antídoto frente às informações, aos acontecimentos, às mensagens que não cessam e nos levam para o mundo das opiniões formatadas, e nos colocam na prisão dos tempos contemporâneos.

Escutar é fecundo, escutar é arte, possibilita o encontro do eu observador com o eu artista, opera na reconstrução da memória, nas camadas da sensibilidade. Ouvir mais e mais, sempre é um bom ensaio para trabalhar a obra de arte. Aliás, escutar também é ver, já que amplia os sentidos, além de possibilitar o foco naquilo que se pretende estudar. Escutar com a visão, escutar com todos os sentidos, é se colocar num lugar de receptividade para o estado poético e criativo. É uma excelente tentativa para encontrar não a conclusão de duas premissas, mas o entendimento muito além da lógica.

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Graziela Brum
 idealizou e coordena o Projeto Literário Senhoras Obscenas. Vencedora de dois concursos ProAc em São Paulo, com Fumaça (2014) e Jenipará (2019) – que é o primeiro romance de uma trilogia sobre a Amazônia -, também publicou Vejo Girassóis em Você (Lumme), de prosa poética.