Coluna | Precisão
Todo dia ele berra que sou inútil, imbecil, bobinha. Me dá tabefes no cangote e tapas na cabeça. Fala que não faço nada direito.
Ele nunca lavou um copo. Nunca ajudou a passar aspirador ou, pelo menos, colocar as roupas sujas na máquina. Nunca me deu um presente. Nunca lembrou do meu aniversário ou me levou pra viajar.
Eu vivo essa vida de arrumar tudo pra ele, ajeitar tudo pra ele, engolir desaforo por ele, levar tabefe dele, ficar trancada em casa esperando ele chegar.
Coloco no prato as batatas fritas que ele me mandou fazer. Quando entro na sala ele pula comemorando e bêbado, desequilibra, bate a cabeça na ponta da estante e tomba no chão. Agora está gemendo, caído. Diz que me ama. Tem um rombo na cabeça. Acho que morrerá em minutos.
Na tevê o zoom no jogador sorridente que fez o gol. No tapete o sangue se espalha. Eu me sento no sofá, cruzo as pernas e como as batatas. Quando ele parar de gemer eu vou ao vizinho pedir socorro.
_______________________
Alê Motta nasceu em São Fidélis, interior do estado do Rio de Janeiro. É arquiteta formada pela UFRJ. Participou da antologia 14 novos autores brasileiros, organizada pela escritora Adriana Lisboa. É autora de Interrompidos (Editora Reformatório, 2017) e Velhos (Editora Reformatório, 2020).