O ROTEADOR – THAIS LANCMAN

Coluna | A Resenhista


 

Como um item presente em todas as casas, escritórios, bares e restaurantes continua tão sem-graça? Até as torneiras podem ter bossa, os talheres. Olha o milagre que fizeram com os revisteiros, quando o impresso ainda reinava. Longe de mim falar mal de quem indiretamente garante o meu trabalho, compras de supermercado e tudo o que a Amazon Prime pode fornecer, fora entretenimento e inúmeras horas perdidas nas redes sociais. Mas também acho que não seria pedir demais que ele fosse visualmente mais interessante.

Uma vez fui a uma exposição de chaves e fiquei impressionada pensando em uma época em que tudo era adorno. Então hoje, quando penso no meu porta-lentes de contato de raposa fofinha, concluo que a sociedade apenas evoluiu em termos de deixar tudo visualmente interessante. Isso em grande parte devemos aos japoneses.

Já faz um tempo que vivo sob o lema: por que ter uma coisa sem sal se posso ter uma versão engraçadinha dessa mesma coisa? Por isso andei uns vinte minutos a mais em um dia quente para comprar a raposinha que guarda minhas lentes de contato, e todos os dias quando a vejo no banheiro fico orgulhosa de mim mesma. Recentemente comprei uma saboneteira nova para o chuveiro muito delicada, azul clara. Ambos vieram do mesmo lugar: a Daiso, rede oriental de cacarecos do tipo.

Daí a minha birra com o roteador. Não poderia ser envelopado com alguma estampa geométrica? Ou então com opções de um design minimalista, porém mais arrojado. A Apple já faz isso muito bem. Até o Bilhete Único é personalizável. Por que a Daiso não vende capinhas de roteador, quem sabe até umas de pelúcia, com orelhas?

Gostaria, acima de tudo, que a questão dos fios fosse resolvida (para isso, além de orelhas, o rabo). Que eles tivessem pelo menos uma saída mais inteligente, porque além de feios eles comprometem o posicionamento do roteador, recentemente obrigado a compor a decoração da minha mesa de trabalho.

(Ok, eu pausei a escrita desse texto para colocar o roteador na posição vertical e isso resolveu bastante do problema.)

O melhor de tudo, porém, seria um roteador com múltiplas funções. Isso aplacaria a minha insatisfação com esse pequeno trambolho. Algumas sugestões de uso misto:

Roteador-hortinha de temperos;
Roteador-caixa de som bluetooth;
Roteador-bebedouro para gatos;
Roteador-luz colorida para festinhas em casa;
Roteador-lousa para pequenos recados;
Roteador-cafeteira italiana;
Roteador-manicure;
Roteador-revisor de normas da ABNT para trabalhos acadêmicos;
Roteador-puxa-saco que concorda com tudo quando você fala sozinha.

Talvez a minha frustração seja apenas por, esses dias, estar encarando o roteador frente a frente, e porque minhas idas à Daiso estão limitadas. Como boa parte dos nossos problemas, minha birra passaria apenas escondendo esse tijolo. Aliás, já ajudaria se eu não tivesse tantas chamadas de vídeo interrompidas pelo sinal que cai de repente. Ou seja, se estou aqui criando tantos problemas e soluções é simplesmente porque o roteador não fez o mínimo e minou minha boa vontade com ele.

Ou ainda, a minha implicância é diante de mim mesma, ao me ver dependente de uma caixinha burra (penso no príncipe de Encantada falando sobre o controle remoto e a televisão: Parece que esta caixa controla o Espelho Mágico!). Henry Miller disse em Sexus que edifícios sem eletricidade são mais desoladores do que se fossem atingidos por bombas, e eu me forço ao desapego desses prédios nos momentos em que a Internet de casa desaba e o roteador vira uma espécie de altar em que deposito minha fé. E que imagem triste esse altar. Um espelho, aliás.

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Thais Lancman é uma escritora paulistana nascida em 1987. Publicou os livros Palito de fosfeno (2014, Reformatório) e Pessoas promíscuas de águas e pedras (2021, Patuá), além de contos e ensaios em coletâneas no Brasil, Alemanha e Áustria e em revistas impressas e online. É doutoranda em Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie, dá aulas e trabalha como ghost writer