#DEZ – GRAZIELA BRUM

Coluna | Campo de Heliantos


O pensamento busca a verdade e transita por movimento infinito de investigação no campo das referências. A verdade, tanto real, quanto ficcional, é uma fonte de sanidade. A mente humana, ao desconectar da verdade, entra em colapso, o que não necessariamente é a loucura; que por sua vez, é elemento fundamental para a escrita literária. O colapso da mente é quando nenhuma verdade existe, já a loucura é quando todas as verdades existem sobrepostas ao mesmo tempo.

Então, quando se coloca o colapso da mente em questão, a pergunta pertinente é: o que pode ser criado diante do que não existe? Para a criação há de se buscar elementos verdadeiros, mesmo que eles sejam desconexos, confusos, perdidos, abandonados, contraditórios, convencionais. Tais elementos podem vir da loucura e têm a chance de se conectar por algum ponto na elaboração do novo. Se entres eles, surgir um elemento não verdadeiro, derivado do colapso da mente, a produção se torna contaminada, porque o elemento não verdadeiro não traz para a composição a alma da coisa. É a alma das coisas escolhidas para compor o texto que produz o efeito de imanência.

Por sua vez, é no efeito de imanência que o texto sobrevive, pois provoca dentro de uma engrenagem interna a magia que a obra de arte precisa para se manter viva. É importante mencionar que nem sempre todos os elementos técnicos bem introduzidos e dispostos no texto causam o efeito de imanência. A imanência é o grande mistério da obra. É provável que o escritor a encontre quando se desvencilha do ego para trabalhar no plano da criação pelo simples desejo de criar.

Há nessa perspectiva, um livro dentro do livro. Não é que existam dois livros. O livro é uno, mas há o livro escrito, da linguagem, do registo, do roteiro, da metáfora, da consistência e o livro composto por meios de trocas constantes e imprevisíveis numa estrutura que aponta o infinito, pois o livro pode se renovar em cada nova leitura, em cada nova época, em cada nova construção histórica. O remanejo no entendimento, no significado e no simbolismo de cada obra provoca sua performance dinâmica e por isso mesmo vive, residente às ações fugazes da contemporaneidade.

Quem sabe dizer, o livro sempre encontra seu leitor e o leitor sempre encontrará o livro, visto que sempre vamos buscar o pensamento baseado na verdade ficcional para investigar a própria realidade e é muito provável que essa verdade seja mais fácil de entender quando se entra nos limites da ficção.

A hipótese sobre o efeito de imanência do livro sugere que a fonte dessa engrenagem aparece no centro da obra em si. Como se cada livro fosse uma esfera e, dependendo do leitor e da leitura, a esfera pudesse ampliar seu diâmetro e amplificar seu tamanho. Importante: tem livros que podem chegar ao tamanho da terra, inclusive ultrapassar suas margens e avançar por lugares ainda não visitados pelo homem. Ou seja, o livro tem a capacidade de dissolver os limites do próprio livro e se espalhar para lugares ainda não imaginados.

Diante dessa hipótese, a alma do livro pode andar por limites bem maiores que o texto literário em si. A alma do livro e o texto do livro não são modos separados, há entre eles uma conexão profunda e indissolúvel, mas eles podem sim expressar sua composição independente um do outro, pois tudo depende de como é o leitor, do ser/estar do leitor, de seu repertório, das suas referências, do seu emocional. Enfim, o efeito de imanência possibilita as interlocuções que desbravam os espaços ainda não explorados no texto e executam conexões inimagináveis, justo por isso a amplificação do livro.

Por fim, o efeito de imanência amplia o sentido do livros em suas perspectivas, em seus insights, em sua proposta, destituindo o caos das não verdades do pensamento.

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Graziela Brum
 idealizou e coordena o Projeto Literário Senhoras Obscenas. Vencedora de dois concursos ProAc em São Paulo, com Fumaça (2014) e Jenipará (2019) – que é o primeiro romance de uma trilogia sobre a Amazônia -, também publicou Vejo Girassóis em Você (Lumme), de prosa poética.