Coluna | A Resenhista
Talvez seja algo positivo a humanidade ter evoluído a ponto de julgar necessário pensar no que ocupa a mesa de jantar quando ela não é usada para refeições. E eu, humana que sou, muitas vezes me pego pensando nessa questão.
Primeiro, porque a mesa parece estar sempre trabalhando, exceto quando está vazia. Talvez a mesa parada – ou seja, sem nada sobre o tampo – esteja desocupada e é isso que nos incomoda, o ócio alheio. Fran Lebowitz diz invejar os porta-copos, que fazem um excelente trabalho quando estão parados no lugar. E talvez seja um certo rancor diante de coisas temporariamente inúteis (e sem sentimento de culpa) que nos faz decorar a mesa para ela não existir enquanto espaço para refeições quando não se está comendo.
A minha mesa de jantar vive três situações todos os dias, às vezes simultaneamente. É lá que almoço e janto, então costuma ter jogos americanos nos lugares mais utilizados, recebe alguns livros já lidos que aguardam a jornada de volta à prateleira, processo que pode levar semanas, e o centro de mesa, decorativo, não que sempre esteja no centro, e não que seja o objeto mais aprazível.
Há um tempo, adotei vasos com flores como centro de mesa, mas a verdade é que eu cuidava pouco deles e da sujeira que as pétalas vão deixando. Antes disso, tinha um adorno prateado estranho, talvez fosse um cinzeiro gigante e não muito prático, ele também era bambo. Pode ser que servisse originalmente como uma fruteira abstrata. Hoje fica no meu armário, e serve para reunir meus brincos em um lugar só. Brincos e tarraxas.
É engraçado quando os centros de mesa são potes ou vasos vazios. Porque aí queremos preenchê-los, prosseguindo com a insatisfação da mesa lisa que nos levou a procurar um adorno para ela. E por que livros servem para as mesas de centro mas não para as maiores?
Atualmente, improvisei um centro de mesa com três objetos que não combinam nem um pouco, mas me lembram diferentes viagens. Descobri que o centro de mesa pode ter o propósito de exibir aquilo que não se tem a oportunidade. É mais uma camada da habilidade de ficar parado em um lugar sem servir a nada. É dar um lugar visível ao que estava invisível, mesmo que seja meio largado e com a constante necessidade de ser empurrado de uma ponta a outra.
Agora, me vejo não querendo mais usar esses potes e a garrafa bonita do mercado de pulgas porque viraram centro de mesa, de repente são incapazes de receber um chá gelado, ou os aperitivos. Foram enfeitiçados. E, mesmo assim, não foram capazes de me dar uma ideia melhor do que a de Fran Lebowitz e os porta-copos!
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Thais Lancman é uma escritora paulistana nascida em 1987. Publicou os livros Palito de fosfeno (2014, Reformatório) e Pessoas promíscuas de águas e pedras (2021, Patuá), além de contos e ensaios em coletâneas no Brasil, Alemanha e Áustria e em revistas impressas e online. É doutoranda em Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie, dá aulas e trabalha como ghost writer.