LIBERDADE – ALÊ MOTTA

Coluna | Precisão


 

Eu aprontei tanto esse ano que meus pais me trouxeram para a casa dos meus avós.

Meu avô é um homem bruto e desagradável e minha avó é muito brava. Eles moram numa cidade de praia e eu vim esperando ondas, sorvetes, sol e descanso.

Meu avô não me deixou ir à praia, não me deixou tomar sorvete, nem dormir até tarde e nem jogar futebol com uns garotos na rua. Estamos na garagem calorenta cortando, serrando, lixando. Fazendo uma mesa feiosa. Minhas mãos já avermelharam e meus braços doem muito.

Mas isso vai mudar.

Meu avô tem câncer e fuma escondido da minha avó, lá perto da cerca. Eu vi e sorri. Foi suficiente.

Já coloquei a sunga e ele já me deu uns trocados para o sorvete. Avisei que vou jogar futebol depois da praia.

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Alê Motta nasceu em São Fidélis, interior do estado do Rio de Janeiro. É arquiteta formada pela UFRJ. Participou da antologia 14 novos autores brasileiros, organizada pela escritora Adriana Lisboa. É autora de Interrompidos (Editora Reformatório, 2017) e Velhos (Editora Reformatório, 2020).