Coluna | A Resenhista
Se Agosto é um mês interminável, Setembro é curto, intenso, transformador. A minha lembrança do nono mês do ano na infância é de ondas de calor surpreendentes e, de fato, isso aconteceu nos últimos dias, mas com a nova surpresa do frio (surpresa mesma, do tipo estar fora de casa de sandália, perna de fora e blusa sem manga quando começou um vento congelante, que por sinal não foi sinal de chuva).
Setembro é o meu mês preferido porque é imprevisível. Se fosse música, seria um show de free jazz que, ao se aproximar do fim, você começa a tentar lembrar como tinha começado e não faz ideia. E, quando acaba, os dias derradeiros imediatamente se tornaram estranhos. Em agosto, você ainda está imerso no ano corrente. No mês que o sucede, os planos para o ano seguinte já são delineados.
Acho que até o número nove é bom para isso. Os dois dígitos são um peso grande para um mês, mas serão somente três deles, o que indica que eles são outra coisa e também uma espécie de epílogo do ano, e não parte do calendário propriamente dito.
Seria possível cogitar que é o contrário: setembro seria o fim de um longo ensaio para vivermos de verdade em três meses, haja visto o sentimento de atropelo que nos bate nesse período para fazer tudo aquilo que enrolamos o ano todo. Mas a prova de que não se trata disso é, justamente, Setembro ser o mês em que tudo acontece.
Eu precisaria de três ou quatro colunas para falar do quanto as últimas semanas me deixaram confusa, lúcida, angustiada e em um êxtase produtivo. E quantos eventos pontuais mudaram a minha visão de mim mesma e de pessoas à minha volta. Uma pessoa em situação de rua se instalou do outro lado da calçada em relação ao meu prédio, ao lado de uma nova loja de bebidas. Encerrei ciclos, confirmei escolhas, ao mesmo tempo que me senti muito cética e aterrada. O mês está terminando, ontem me emocionei vendo no telejornal uma reportagem sobre o início da primavera, e pensei que esses tempos fizeram com que eu não me reconhecesse de tanto que eu passei a me conhecer. Isso me levou a recapitular processos parecidos em outros anos e parece que sempre é no mês de Setembro.
Talvez, então, da maneira mais avassaladora possível, eu seja apenas elogios ao novo-melhor-mês-do-ano. O mês que é como o porquinho soprando a casa de palha, para depois soprar a de madeira (não sei se tem casa de tijolo).
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Nota da autora: Acaba de chegar ao site da editora Folhas de Relva o meu novo livro, Meu ano Flávio de Carvalho que fala, entre tantas outras coisas, sobre o tempo e suas mudanças, e as diferentes formas de contá-lo. Para quem se interessar, ele está à venda aqui.
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Thais Lancman é uma escritora paulistana nascida em 1987. Publicou os livros Palito de fosfeno (2014, Reformatório) e Pessoas promíscuas de águas e pedras (2021, Patuá), além de contos e ensaios em coletâneas no Brasil, Alemanha e Áustria e em revistas impressas e online. É doutoranda em Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie, dá aulas e trabalha como ghost writer.