A BJÖRK – THAIS LANCMAN

Coluna | A Resenhista


Acho que não vou superar a experiência de, uma tarde, no MIS, ter entrado na garganta da cantora islandesa, com auxílio de óculos de realidade aumentada. Se pensamos muito em “entrar na cabeça de alguém” para entendê-la, aquele dia foi como se tivesse conhecido Björk a fundo por essa imersão, e nunca mais saído.

Fez muito sentido ter mergulhado fundo e ver as cordas vocais como monstros em uma caverna úmida, para depois chegar a uma sala em que uma parede inteira era um telão no qual eram projetados seus videoclipes em ordem aleatória.

Também faz muito sentido que eu acompanhe a carreira musical de Björk há tantos anos e não saiba cantar nenhuma música, apenas imito sons e aquilo dá a mim o significado dessas canções.

Tudo isso é perfeitamente coerente com aquela imagem da garganta. O que sai dali, o som puro como matéria bruta a ser moldada é no final o que esculpirá uma linguagem visual tão sofisticada. Ou melhor, tão pensada, ou seja, com racionalidades – a da palavra e da estética – sujeitas à massa sonora.

Outra lembrança ótima, não, qualidade da Björk, ainda que não seja ela propriamente dita, foi a imitação que uma das drag queens de RuPaul’s Drag Race fez da cantora, que na verdade não tinha semelhança nenhuma. Katya Zamolodchikova fez da Björk um bichinho assustado e afrontoso como um guaxinim, com um sotaque quase russo, e os cabelos presos em dois pompons (como ela usou em uma das suas tantas fases), mas que aqui me lembravam mais a personagem de desenho japonês Pucca. Não tinha nada a ver, e por isso não poderia ser mais perfeito.

Por muito tempo, eu me senti obrigada a entender as coisas, ou pelo menos obrigada a querer entender. E por não entender, tudo, me acostumei a estar sempre em falta. A Björk me lembra da minha ignorância e como a contemplação de uma suposta lacuna no conhecimento é enganosa, não porque seja impossível conhecer tudo, mas porque é irrelevante.

Eu sempre sinto que preciso ouvir mais Björk, e depois ver mais seus clipes, reflito sobre a quantidade absurda de trabalho dedicado em fazer um filme de três ou quatro minutos, e como suas produções são crípticas, não só para mim mas para a maioria do público. E como essa experiência – de ver e não entender – é mais universal que uma obra transparente. Não que ela seja mais ou menos profunda, essa classificação é absurda e essa trajetória deixa isso à mostra.

É como se existissem apenas duas possibilidades: as entranhas da garganta ou a forca, outra imagem de Björk, no filme Dançando no Escuro, de Lars von Trier. Na verdade uma não-imagem, quando Selma desaparece no vão e fica ali apenas a corda esticada, nada mais explícito e definitivo, ainda que ao ar livre, enquanto o contrário é fechado e artificialmente iluminado, embora rizomático e fértil.

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Thais Lancman é uma escritora paulistana nascida em 1987. Publicou os livros Palito de fosfeno (2014, Reformatório) e Pessoas promíscuas de águas e pedras (2021, Patuá), além de contos e ensaios em coletâneas no Brasil, Alemanha e Áustria e em revistas impressas e online. É doutoranda em Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie, dá aulas e trabalha como ghost writer.