A FITA ADESIVA – THAIS LANCMAN

Coluna | A Resenhista


Com alguma frequência, preciso embrulhar livros e postá-los no correio. Coisa de autora independente, que é também assessora de imprensa, departamento comercial e logístico. Aos poucos, fui pegando a prática e, movida pela minha desorganização e pressa, virou hábito caçar pela casa qualquer caixa de papelão, juntar pedaços, se necessário, para embalar o livro. Então, é preciso juntar tudo, além de etiquetar com o meu endereço e o do remetente.

Nesse instante, alcanço no porta-trecos que é o caos no meio do caos da minha escrivaninha, e pego a fita adesiva transparente e larga que uso para fechar os pacotes a serem despachados. É um rolo de fita infinito, que sequer parece emagrecer conforme tiro dele voltas e voltas de fita.

Não é a minha única fita adesiva. Na última contagem, tinha cinco ou seis rolos de diferentes larguras e cores. Tenho, inclusive, algumas decoradas, japonesas, que não vêm ao caso porque aqui falo de momentos em que a funcionalidade supera a estética.

Mas então, vem o primeiro desafio da fita adesiva transparente: o fato que toda vez levo alguns minutos no movimento repetitivo e irritante de passar a unha por todo o comprimento do círculo, buscando a ponta que possa ser puxada para que a fita tenha, enfim, uso.

Tem uma tirinha sobre entradas USB que ilustra a frustração de buscar a ponta da fita adesiva: é uma pessoa tentando encaixar algo na porta USB do computador, não consegue, vira o cabo, não consegue de novo, vira de novo, e então, como mágica, tudo se encaixa. É a mesma coisa com a fita, que fica rodando com a minha unha feito uma agulha de vitrola, com a ponta que nunca aparece. Até que a parece, quase sempre. Então eu puxo com cuidado a fita, ouço o Crec estralado que indica que ela está se soltando, corto os com dentes sentindo aquele gosto amargo inconfundível, e termino o embrulho que levará meus livros a mais leitores.

É engraçado que muitas vezes, enquanto o rolo de fita gira e eu busco pelo volume sutil da ponta, eu pense que deveria fazer uma dobra, de forma a facilitar o processo. Assim, a fita colada em si mesma evitaria esse processo repetitivo. Em todos os episódios semelhantes, a conclusão é sempre a mesma: a dobradura me levaria a perder tempo, tendo que cortar essa parte fora toda vez que fosse utilizar a fita, de forma que consigo concluir que buscar a ponta é mais prático, mesmo que agora isso não faça o menor sentido. O tempo é circular como a fita adesiva, mas não com a sabedoria como se espera que a repetição seria capaz de produzir.

Da última vez, perdi a paciência e fiz um corte transversal na fita com o estilete, na certeza equivocada de que estaria mutilando apenas a sua camada externa. Claro que não foi o que aconteceu, então as próximas idas ao correio serão antecedidas por um procedimento que envolve extrair a fita do rolo em pequenas tiras, interrompidas pelo corte impulsivo anterior. E depois, a fita irá se perder como sempre nela mesmo, Ouroboros industrial ao alcance da mão e desafiando a minha paciência.

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Thais Lancman é uma escritora paulistana nascida em 1987. Publicou os livros Palito de fosfeno (2014, Reformatório) e Pessoas promíscuas de águas e pedras (2021, Patuá), além de contos e ensaios em coletâneas no Brasil, Alemanha e Áustria e em revistas impressas e online. É doutoranda em Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie, dá aulas e trabalha como ghost writer.