#CATORZE – GRAZIELA BRUM

Coluna | Campo de Heliantos


É possível entender Fábio Pessanha um poeta engenheiro capaz de construir imponentes narrativas com a palavra. Porém, enganam-se aqueles que imaginam construções de estéticas conhecidas. Pessanha é um artista que lapida cada palavra e cava encaixes únicos entre elas para dar um formato exclusivo e muito bem elaborado à escrita. O texto é construído de um jeito que ultrapassa os limites do próprio poema e avança para leituras que tocam pontos que se cruzam e formam no decorrer da narrativa uma poesia sensorial. As imagens tomam várias facetas e caminham junto à própria sonoridade, trazendo ao leitor um desejo compulsivo pelo próximo poema.

É real que nunca devemos terminar de ler um livro de poesia, justo por essa capacidade do poema de transmutar com o tempo e captar diante da história e do espaço percepções diferentes pelo mesmo leitor. A verdade é que a leitura de A forma fugaz das mãos (Editora Patuá, 2021) evoca desde o primeiro poema uma sensação de presença, digo, de ser o leitor palavra poesia também.

Inaugura-se aí uma relação muito íntima entre leitor e poesia capaz de mover a leitura incessante e contagiosa até o último poema, que neste caso, é também o primeiro. É um livro que nos mobiliza à palavra, já que o poeta extrai dela significados que podem não apenas ampliar seu sentido, mas também subvertê-la. Pessanha, poeta astuto, molda a palavra centímetro por centímetro e dá a ela o formato que melhor convém ao seu encaixe no poema.

“palavra:
de todos os nós
a que nunca desata”

Embora todo o poema seja erótico, o livro A forma fugaz das mãos não fala explicitamente sobre erotismo, mas há desejo em cada verso, em cada ideia, em cada sonoridade. Podemos observar labaredas de fogo se alastrando pelo texto, mostrando a alquimia engendrada pelo poeta para provocar efeitos e nos seduzir pela palavra.

“os verbos ardem
como a estrela
irrompida em mundo”

Mas é preciso afirmar que a presença do erotismo é apenas um dos pontos possíveis de interlocução com o livro. A leitura atenta, como já disse, nos traz a ampliação e subversão da palavra, não exatamente como fez o poeta português Herberto Helder ou mesmo a poeta brasileira Hilda Hilst. O que Pessanha faz é trazer um efeito alucinógeno para palavra. Ele provoca uma sensação de euforia, de gozo, que não deixa de ser erótico, mas que é causada pela reação do leitor com a palavra, que conecta com uma sobreposição de corpos, ou de corpos e matéria, ou de corpos e animais. Há um desejo na poesia do Fábio por algo subconsciente ou algo onírico. Por transpassar a palavra.

“escrever por fora da frase que
desse ao agora o tempo
das nossas falhas.”

Sobre o poeta Fábio Pessanha, entendo um escritor raro, que conseguiu se desprender dos moldes e dos formalismos conhecidos na Literatura, para ousar em formatos e entendimentos que fogem do convencional. O texto que ele nos traz na coluna “palavra : alucinógeno”, da Revista Vício Velho, é um exemplo. São interlocuções e percepções do poeta sobre suas leituras de livros de poesia e romance, de um jeito de interagir com o texto que vai muito além da análise crítica, mas que também causa efeito no leitor e o estimula para a interação com o texto do autor citado na coluna.

Ademais, entendo o livro do poeta Fábio Pessanha como um ópio alucinógeno capaz de atuar no sistema nervoso central sem trazer nenhuma contraindicação.

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Graziela Brum
 idealizou e coordena o Projeto Literário Senhoras Obscenas. Vencedora de dois concursos ProAc em São Paulo, com Fumaça (2014) e Jenipará (2019) – que é o primeiro romance de uma trilogia sobre a Amazônia -, também publicou Vejo Girassóis em Você (Lumme), de prosa poética.