Coluna | A Resenhista
Os olhos inchados, o nariz escorrendo, têm uma função muito importante. A de nos colocarmos numa posição de perguntar a nós mesmos o que acabou de acontecer, depois de um momento de choro.
O silêncio depois da bomba.
Talvez seria bom se fosse um alerta mais interno do que externo, porque certas pessoas, eu inclusive, ficam com cara de choro por muito tempo, mais do que eu gostaria de refletir sobre os meus motivos para chorar.
Fato é que quando Cortázar deu instruções para chorar, ele não nos instruiu para como parar de chorar, nem como agir depois. E parar de chorar é muito mais difícil do que começar. Primeiro porque às vezes o choro guardado se mistura a outros, como uma grande comporta que se abre, e passa a ser indomável como os grandes fluxos de água sempre são.
Segundo, porque quanto mais se chora, e nisso incluo esse acúmulo de razões para chorar que expliquei aqui, mais difícil fica justificar para si e para outros o próprio choro, de forma que é preciso postergar seu término a fim de evitar a reflexão que irremediavelmente virá. Procrastinar a autorreflexão. Procrastinar a cara de choro.
Então, quando se fala da própria cara de choro, ela pode ser aliada ou inimiga. Partindo de que a sensação do pós-choro é incômoda, pode dar uma vergonha, ao mesmo tempo que te lembra que esteve chorando, e que precisa lidar com aquilo que te fez chorar não importa o que seja. Ou ainda, que nada é para já, e sim para daqui a pouco, e enquanto a cara de choro dura você pensa, e sofre, se acostuma com o silêncio que vem depois dos soluços e da gritaria interna e externa da hora de chorar.
A cara de choro vista por um terceiro é um dispositivo muito prático das relações sociais, desde que esse terceiro não seja um tonto a ponto de perguntar: Você estava chorando? O que foi? A cara de choro é a transparência quase que involuntária, é o tipo de relação que deveríamos almejar em outros momentos da vida. Como deveríamos almejar sempre que a humanidade seja menos tonta nisso, e nesse ponto talvez conviver com caras de choro ajude. Uma pena que isso dependa de gente em clima de pós-choro encarando os próprios abismos para que isso aconteça.
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Thais Lancman é uma escritora paulistana nascida em 1987. Publicou os livros Palito de fosfeno (2014, Reformatório) e Pessoas promíscuas de águas e pedras (2021, Patuá), além de contos e ensaios em coletâneas no Brasil, Alemanha e Áustria e em revistas impressas e online. É doutoranda em Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie, dá aulas e trabalha como ghost writer.