GUERRA – VALENTINA BASCUR MOLINA

Coluna das Ausências


Começo a escrever este texto no dia da Poesia. Não sabia que existia um dia específico pra honrá-la. Não entendo bem como fazê-lo, pois, Poesia não faz parte da minha vida, ela é a minha vida. Teço nestas palavras um vínculo inseparável entre poesia, escrita e vida.

Glória Anzaldúa disse em Falando em línguas: uma carta para as mulheres do terceiro mundo (1981): […] eles mentiram, não existe separação entre vida e escrita”. É por isso que às vezes escrevo com os pés na terra, tentando descobrir se existe alguma sabedoria no meu corpo para além do intelecto, tentando resgatar a beleza dos meus dias, ainda que pareçam todos iguais. Tento escrever desde o lugar onde meus pés pisam neste momento…

O lugar onde meus pés pisam neste momento é nos vestígios de um território em resistência. Tanques de guerra, lotados de homens-militares que atravessam uma cidadezinha do interior, exibindo as suas armas em nome da Segurança. Escrevo em meio ao temor de revelar os nomes destas cidades. Me contenho porque existe um elo de vulnerabilidade que me atinge, enquanto corpo feminino e penso: quem irá nos proteger desta falácia chamada Segurança?

Mantenho o meu olhar no horizonte que me rodeia e vejo, de forma extensiva, unívoca, repetida e até enjoativa: Pinheiros e Eucaliptos. A monocultura se estende como um manto verde nas montanhas. Existe uma espécie de ilusão ao observar as florestas. Um fascínio por elas, um olhar turístico que se maravilha com algo que não é. Tipo o cachimbo de Magritte: “Ceci n’est pas une pipe” (Isto não é um cachimbo). Achamos que a monocultura é uma floresta, mas não: isto não é uma floresta.

A monocultura extensiva é mais uma expressão da Morte, e sob o manto da Morte se esconde a escassez de água, a impossibilidade da fauna, o envenenamento da terra, e por sobretudo, a expulsão voraz dos povos que habitam nela. 

Ninguém imagina que no berço onde o Neoliberalismo deu “certo”, existe uma guerra.

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Valentina Bascur Molina é pesquisadora, poeta, escritora e tradutora. Mestre em Estudos Feministas pela UFBA. Nasceu e cresceu em Temuco, território de Wallmapu, Chile. Reside no Brasil há nove anos. Autora de “Kümedungun: trajetórias de vida e a escrita de si de mulheres poetas Mapuche”, publicado pela Editora Urutau, selo Margem da Palavra, em 2021. Integra o Núcleo Feminista de Dramaturgia, espaço em que desenvolve projetos de escrita e pesquisa coletiva com outras autoras, sob orientação de Maria Giulia Pinheiro.

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