Há algumas semanas, tive a oportunidade de participar de uma entrevista com a filósofa brasileira radicada no Canadá, Denise Ferreira da Silva. Momentos preciosos que só a Universidade Pública pode nos oferecer. No encerramento da entrevista, Denise comentou acerca de como a nossa noção de valor está ligada à nossa eficácia, a capacidade de ser produtivos e eficientes. Ligar valor a eficácia foi uma conexão que me deixou refletindo durante dias e que trago hoje para esta coluna.
Lendo a poeta brasileira Adriana Lisboa, em seu livro mais recente sobre a morte do pai, penso se acaso essa nossa busca pela cura não tem mais a ver com uma necessidade de nos mostrarmos eficazes? Se acaso a impossibilidade de se mostrar falha ou vulnerável não é mais uma expressão deste imperativo?
Ao final, teremos que cuidar das nossas dores pelo resto das nossas vidas. Com isto não quero dizer que elas sejam infindáveis ou eternas (é provável que nada neste mundo seja). Tenho ficado cada vez mais reconciliada com a ideia de que meus pesadelos vão e voltam. Quase sempre voltam. Que o impulso por tentar me livrar deles só faz com que a aflição se torne mais intensa. Então me pergunto se a preocupação pela cura não é mais um sintoma do imperativo da eficácia. A cura precisa de tempo, cuidado e principalmente, de comunidade.
Num cenário vertiginoso como este em que vivemos, precisar justificar as nossas dores me parece violento. Fazer rendição de contas sobre o porquê a vida às vezes dói, só nos coloca num estado de hipervigilância desnecessária, onde poderia prevalecer o acolhimento e a compreensão.
Deixo em aberto estas inquietações citando o que Adriana Lisboa escreve em ‘Todo o tempo que existe’ (2022), de forma tão lúcida e certeira:
“Eu gostaria de saber como é possível viver em paz num estado de anti-autoajuda. Com cicatrizes luminosas, sem a obsessão da cura, sem a obsessão de que tudo tenha que parecer novo e perfeito”.
____________________
Valentina Bascur Molina é pesquisadora, poeta, escritora e tradutora. Mestre em Estudos Feministas pela UFBA. Nasceu e cresceu em Temuco, território de Wallmapu, Chile. Reside no Brasil há nove anos. Autora de “Kümedungun: trajetórias de vida e a escrita de si de mulheres poetas Mapuche”, publicado pela Editora Urutau, selo Margem da Palavra, em 2021. Integra o Núcleo Feminista de Dramaturgia, espaço em que desenvolve projetos de escrita e pesquisa coletiva com outras autoras, sob orientação de Maria Giulia Pinheiro.