CANTILENA DESCOMUNAL – ADRIANO ESPÍNDOLA SANTOS

Coluna | Anseios Crípticos


Eu queria escrever com a audácia de ver além e com a perspicácia de dar luz à mínima poeira. Quantos livros li, meu Deus, para sonhar chegar aos pés de Tchekhov e Tolstoi – aqueles russos malditos, que me capturaram quando ainda era um bebê de doze anos? Já não posso dizer, para me safar, que sou um escritor amador. Escrevi coisas que superam, e muito, o comedimento de um aprendiz. Sou mais cara de pau que audaz. Sou mais medíocre que raso. E tenho mais ínfimas atribuições – como escritor e ser vivente. Ao tempo em que me sinto um impostor, tenho a ânsia de desaguar alguns pensamentos, injúrias, calúnias, canalhices e mentiras de toda ordem. Não tenho sequer coragem de reler os meus “textículos” publicados – sim, como se não bastasse, sou impulsivo, obsessivo e covarde. Entrego-os ao mundo das inquietações, para que se criem, como um vagabundo reprodutor – e há quem se queixe de não “me ler” mais. Mesmo diante de tantas misérias, tenho tido uma experiência potente e angustiante. Sou provocado, de modo inconsciente, pelos vultos dos meus amigos malditos e, consciente, por uma amiga, a quem tenho a maior estima e admiração, apesar de ser completamente ignorado, não por nada, mas, sim, porque ela não me conhece – e não deveria me conhecer –: Veronica Stigger. Ela me faz forçosamente repensar o meu papel nesse universo da literatura. Tive de reler uma dezena de vezes o seu conto “A caixa” e o “O nariz”, de Gogol. Você, que já os leu, deve pensar que estou mesmo pirando em fazer tal comparação. Bem, primeiro digo que o seu juízo é no mínimo inocente: não faço nenhuma comparação, nem confronto tão fundamentais obras. A verdade é que há algo de sublime nas suas descrições de espaço, imagens e personagens. Tento decifrar esse “algo sublime”. Por que não tenho paciência para destrinchar os enredos? Por que não sei decompor e desterrar os lugares-comuns? Ou seria a minha patente inabilidade para ser o que pretendo ser, por insistência? Sobre isto, já ouvi uma série de relatos, que, para um ser humano frágil e melindroso, poderia ter encerrado qualquer aventura. Tenho no sangue, para o bem e para o mal, a teimosia. Meu pai só encerrou o sonho de ser pianista no leito de morte: “Meu filho, agora não dá mais… mas tentei”. E como tentou. Eu mesmo o desanimei, quando criança, porque, enquanto ele tocava, perdíamos preciosas horas de divertimento; e eu não me agradava com nada daquilo que ele amava. Hoje eu o entendo: sou pai. E devo entender o meu filho, que me chama desesperadamente para brincar, conversar, assistir a desenhos etc. Fracassar em tudo? Persisto nessa senda ignorada, pelejando, pelejando. 

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Adriano Espíndola Santos (Instagram | Facebook) é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; e em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, ambos pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária. Membro do Coletivo de Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.

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Referências

GHANNAM, Tamy. Um espetáculo sombrio, ermo e turvo. Acesso em: 10 abr. 2023.

STIGGER, Veronica. A caixa. Acesso em: 11 abr. 2023.

STIGGER, Veronica. O fogo. Acesso em: 11 abr. 2023. 

Imagem @Eduardo Sterzi