coluna palavra : alucinógeno
por fábio pessanha
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quando a paixão é filosofia. quando pensar não é só razão. quando não se vive o perigo. quando tudo é vício: POESIA SE CONFUNDE COM PAIXÃO. uma confusão bem tramada, inventada pelo princípio ativo dos ossos ruindo por dentro da carne, querendo a saída, desejando devorar a saúva desencantada de seu bando porque paixão é fome porque paixão se come desde dentro do estômago esôfago afora furando a fila das vezes que tentamos organizar um tratado ordinário para o fundamento idílico dos ídolos – aqueles depostos de seus andores quando na convenção das suas dores, desculpas esfarrapadas foram aniquiladas dos presságios competentes para plágios.
poesia e paixão se orgasmam antes da foda. poesia e paixão se abstêm do plástico efeito das ondas quebrando rente aos tornozelos porque poesia é o que não se pega no laço, só atrapalha os dedos na hora do nó quando uivos se convertem em silvos e a sílaba perde seu limite ocaso para o caso de se domarem os riscos de uma paixão sem filosofia da
“Paixão
por uma morte
sem vida
no encalço de uma
vida sem vida. De uma vida
sem risco,
afirmativa de um só
caminho e verdade,
de uma vida
que faz apenas
do suporte,
viver”.
uma vida sem vida não é um paradoxo, é um afago na feição ontológica de se viver o que se é no que se está e já se foi. um desejo de se estender o instante para o resto da vida. paixão é uma “aprendizagem ou o livros dos prazeres” onde a gente se exerce e a gente lê a pergunta crucial, a única que importa: “como prolongar o nascimento pela vida inteira?” já que o nascer é o ato apaixonado de conceber uma coisa um alguém um ato um gesto sempre pela primeira vez.
a harmonia entre paixão e poesia, entre paixão e filosofia, mora nesse ínfimo flagrante porque filosofia está na nascência de se cogitar um trago mesmo antes do meio-dia, quando a embriaguez está mais para o excesso do excesso do que para a carência da carência. mais que o pileque do traste largado ao meio-fio.
no meio,
no limite,
estamos todos.
habitamo-nos
ébrios por um lance qualquer que nos retire da rotina, que nos permita perceber o paladar inaugural de uma sede ancestral, de se sentir o cheiro da palavra nascida no espanto – thaumadzein! thaumadzein! thaumadzein!
quando o susto arquiteta na cara uma geografia de invenções customizadas desde a safra colhida das imagens até o gesto indigesto das gramáticas, poesia paixão e filosofia dão as mãos numa orgia desenfreada. regados a vinho, cachaça e sêmen estão os desejos por uma megalomaníaca vontade de ser a palavra ainda não nascida, de se
METER
no verbo
tal qual a imagem na cor,
tal qual o escuro no vazio,
tal qual o vazio no vazio,
a vida na vida,
a morte na morte.
morrer é uma inconsequência para as vidas desprovidas de eternidades. mas toda a morte é eterna e amém. também a vida no delírio dos dias recomeça no instante em que o instante toca o frio na barriga daquele adeus largado diante do medo da despedida. então ainda que se pergunte o que é isso que se sabe quando de repente a gente se espanta, ainda que se queira uma resposta cabal para isso que nasce num destino mortal. a gente nunca sabe como dizer isso que de alguém emana. a gente reage com o ímpeto aflorado quando se apaixona e não quer nem saber se é teto ou cama.
se por um lado paixão é isto que convida corpos a se fundirem, se por outro se confunde com amor essa gana, é preciso dizer: PAIXÃO IRMANA. nada há para se dizer sobre seu delito porque qualquer fracasso nasce na gestação do seu rito.
afinal, “qual é a ilusão que você me recomenda?” qual alarde em semínimas dissonâncias aguça o aceno tardio de se pensar que o poema jamais será escrito?
qual ilusão?
qual?
ilusão?
a paixão floresce neste texto que acaba de te encontrar. estou apaixonado por você que me lê. inclusive por suas dissidências. sou devasso demais pra ser puro. a pureza me corrompe. a paixão me santifica na tentativa de prolongar um eterno instante. ainda que o instante só dure enquanto passa. enquanto é já não é mais. enquanto fica já foi. nesse tempo que é pleno. nesse tempo que vigora o poema me demora. “vai vir o dia quando tudo que eu diga seja poesia”.
casa comigo e terá o fim do mundo mais feliz do mundo. vamos cantar pelados enquanto o feijão está no fogo. vamos exercer a peleja entre o excesso e o exílio. vamos dizer eu não te conheço ao mesmo tempo e perceber que viver uma página de poema tem mais paixão amor e filosofia que todos os préstimos cartoriais de um falido dia.
P.S. este texto é talvez um poema, mas um poema não tem quer ser um poema, por isso é este texto, que é um ensaio, quem sabe um conto, quem sabe um microrromance, quem sabe algo que deu errado e caiu aqui por engano. seja lá o que isso aqui for, que é meu, que é nosso, porque agora você também é dono, isso aqui, esse nosso lance, nasceu dos meus encontros apaixonantes e apaixonados com o ensaio “Quando a paixão é filosofia”, de Antonio Jardim, publicado no livro A construção poética do real (7Letras, 2004); com os romances Agora é que são elas, de Paulo Leminski (Iluminuras, 2013) e Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, de Clarice Lispector (Rocco, 1998); com o poema “moinho de versos”, também do Leminski e publicado em Caprichos & relaxos (Compainha das Letras, 2013); com o poema “Casa comigo”, de Michel Melamed, publicado em Regurgitofagia (Objetiva, 2005).
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