Coluna | Alguma coisa em mim que eu não entendo
Imbrinquei-me em duas oficinas paralelas & mixturadas de poesia (.com), o que aliás recomendo a geral, especialmente a quem, como eu, contraentende hoje saber tão menos do que quando era xóven e achava que sabia muito… e como “tudo vale a pena / quando gera alguns poemas” (estou citando a mim mesmo, afinal ninguém pode dizer o que eu diria melhor do que eu), alguns poemas-exercício não saíram de todo maus:
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dentro do medo o fogo
carburado na balbúrdia
de um silêncio
quando incompreensões
se desconfiam e tentam
se alcançar
uma voz que diz
o quê
dentro da noite
e do dia
rasgando
chamas em lâmina
chamando
sonhos à luz
nem que seja da lua
se todo amor
é impossível
ainda assim
dá pra fazer
muito com os destroços
— diz-me o fogo
desatento talvez
ao fato(?) de que isto
também se aplica a nós
destroços de um encontro
como o poema
impossível
(não há pontes
para os deuses)
como cicatrizar um banho?
numa pesquisa etimológica
muito atentamente sem
espantar nenhuns espantos
primeiro aprender como
fazer escorregar, o banho ensina
se nos (dis)pomos a escavar
com afinco as dores e puxá-las
com carinho — como a aranha
puxa a teia — até as trans
porejarmos e esfregando
deslizá-las para os longes
para o quando depois
num instante qualquer
lembrar quase mornamente
mas do banho sempre
resta alguma farpa
que não cicatriza
#
como
através de uma brasa
— a brasa a própria língua —
aprender a sangrar
uma voz
que em sua dança, de relance
alcance dizer em pânico
palavra que valha a pena
como
pólen de pensamento
gozo desajustado
lampejo doce
de delirância
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cada bunda de vaga-lume
não um neurônio
nem uma ideia
mas sinapse
caminho
costurar com fios
de palavras entrelaçadas
o desrumo
colar de lampejos
#
palavras alucinógeno extraídas de uma prosa de fábio pessanha
o que torna a palavra um poema
nenhum poeta sabe, mas
se arrisca nesse salto
por onde o poético adentra
sem pedir licença
quem quiser que se poeme!
o poeta se exerce em plena
fuga do que lhe chega aos poros
então, só nos é viável
escrever de retravés
a música é a parte consciente do silêncio
o quase é uma constante
poeta é aquele que se lança
à sua própria incompreensão
para Rafael Zacca e Fábio Pessanha
gerentes das lojinha-oficina que ando frequentando
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Thássio Ferreira, escritor radicado no Rio de Janeiro, é autor de (DES)NU(DO) (Ibis Libris, 2016) e Itinerários (Ed. UFPR, 2018 — obra vencedora do i Concurso Literário da editoria universitária). Foi editor e curador da Revista Philos de Literatura Neolatina. Tem poemas e contos publicados em revistas e antologias, como Revista Brasileira (nº 94), da Academia Brasileira de Letras, Escamandro, Gueto, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Germina, Revista Ponto (SESI-SP), aqui na Vício Velho, InComunidade (Portugal), e outras. Mantém página no Facebook e no Instagram