Coluna | Alguma coisa em mim que eu não entendo
porque talvez seja ainda mais interessante ofertar as entranhas dos poemas (ainda necessitados de tantas reescritas), pedindo inclusive que me digam quais preferem e sugiram as lanternagens & gambiarras que bem entenderem:
Atores em cena – take 2
fazer o check-in na recepção
subir ao quarto
com ele ao lado
quatrocentos e quarenta quilômetros
para estar perto para
(Aguarde enquanto o anfitrião
autoriza o acesso à sala de vídeo)
como se para uma câmera
invisível
modulando o sorriso
primeiro eu
de mãos suando
em meu monólogo
dizer: precisamos conversar
com a voz controlada
(sempre controlado
como se para uma câmera
invisível)
eu transido transpirando tentando o autocontrole no meio
do teatro da minha própria dramaticidade
enquanto ele espontâneo
em sorrisos calmos
que não parecem modulados
depois ele
enquanto estalo
os dedos
dizendo que tudo bem
(não tenho como
desligar o microfone)
até que nada mais
resta a dizer
(fim da vídeochamada)
e não estamos mais
à frente nem ao lado
como se para uma câmera
invisível
Atores em cena – alternative take
recepção
subir ao quarto
ele ao lado
quatrocentos e quarenta quilômetros
flash na mente: aguarde
o anfitrião lhe dará
acesso à vídeochamada
câmera
sorriso
sento-me na cama
mãos suando
monologo
voz controlada
(fim)
câmera
invisível
eu todo teatro
de solenidade
ele leveza
câmera
lágrimas
diz-me
você veio até aqui
pra isso?
penso: é o mínimo
fim da vídeochamada
variações sobre o inalcance
I.
olho a lata de fumo
sem alcançá-la
como o rosto dela
antes de me dizer não
quando eu tinha oito
ou nove anos, não lembro
dei à primeira ela
um porta-joias comprado
numa viagem a Ouro Preto
(ou talvez fosse outra
quinquilharia qualquer)
e a chamei pra ir ao cinema
— na minha mente minha mãe
nos levava, deixava e depois buscava
o plano perfeito —
mas ela disse não
eu não comprara o porta-joias
pra ela, mas sabia que seria
um presente pra alguém.
entreguei-lhe no recreio
com mãos suadas
olhos vidrados
perguntando quer
ir ao cinema comigo?
como quem entrega
o próprio coração
acelerado & parado
ao mesmo (confuso) tempo
como quem entrega
um amor esculpido
em pedra-sabão
(tão frágil)
perguntando
me ama de volta?
e acho que desde então
o medo dos nãos
contraiu meus dedos
não no gesto de reter
os porta-joias que sigo
distribuindo por aí
mas no de olhar os rostos
evitando alcançá-los
como se alcança um sim
porque ser amado de volta
é um vício difícil
de controlar
como o fumo
II.
olho a almofada sem alcançá-la
como o rosto dela
antes de me dizer não
quando eu tinha oito
ou nove anos, não lembro
dei à primeira ela
um porta-joias comprado
numa viagem a Ouro Preto
(ou talvez fosse outra
quinquilharia qualquer)
e a chamei pra ir ao cinema
— na minha mente a minha mãe
nos levaria e buscaria
: o plano perfeito —
mas ela disse não
eu não comprara o porta-joias
pra ela, mas sabia que seria
um presente pra alguém.
entreguei-lhe antes da aula
com mãos suadas
e olhos vidrados
perguntando se ela queria
ir ao cinema comigo
como quem entrega
o próprio coração
acelerado e parado
ao mesmo (confuso) tempo
como quem entrega
o amor esculpido
em pedra-sabão
— tão frágil —
(ou tecido em quatro pontas
: tão permeável)
perguntando
me ama de volta?
e acho que desde então
o medo dos nãos
contraiu meus dedos
não no gesto de reter
os porta-joias que sigo
distribuindo por aí
mas no de olhar os rostos
evitando alcançá-los
como se alcança um sim
porque ser amado de volta
é um vício difícil
de controlar
como o sono
III.
olho o poste sem alcançá-lo
como o rosto dela
antes de me dizer não
quando eu tinha oito
ou nove anos, não lembro
dei à primeira ela
um porta-joias trazido
de Ouro Preto
(ou talvez fosse outra
quinquilharia qualquer)
e a convidei ao cinema
— na minha mente minha mãe
a nos levar, deixar e buscar
: o plano perfeito —
mas ela disse não
eu não comprara o porta-joias
pra ela, mas sabia que seria
um presente pra alguém.
mãos suadas
e olhos vidrados
como quem entrega
o próprio coração
acelerado e parado
ao mesmo (confuso) tempo
como quem entrega
um amor esculpido
em pedra-sabão
(tão frágil)
perguntando
me ama de volta?
e acho que desde então
o medo dos nãos
contraiu meus dedos
não no gesto de reter
os porta-joias que sigo
distribuindo por aí
mas no de olhar os rostos
evitando alcançá-los
como se alcança um sim
porque ser amado de volta
é um vício difícil
de controlar
como ver nos objetos
mais alheios a ela
(seja qual a do momento)
seu rosto diante
da minha entrega
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Thássio Ferreira, escritor radicado no Rio de Janeiro, é autor de (DES)NU(DO) (Ibis Libris, 2016) e Itinerários (Ed. UFPR, 2018 — obra vencedora do i Concurso Literário da editoria universitária). Foi editor e curador da Revista Philos de Literatura Neolatina. Tem poemas e contos publicados em revistas e antologias, como Revista Brasileira (nº 94), da Academia Brasileira de Letras, Escamandro, Gueto, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Germina, Revista Ponto (SESI-SP), aqui na Vício Velho, InComunidade (Portugal), e outras. Mantém página no Facebook e no Instagram