+POEMAS NA OFICINA – THÁSSIO FERREIRA

Coluna | Alguma coisa em mim que eu não entendo


porque talvez seja ainda mais interessante ofertar as entranhas dos poemas (ainda necessitados de tantas reescritas), pedindo inclusive que me digam quais preferem e sugiram as lanternagens & gambiarras que bem entenderem:


Atores em cena – take 2

fazer o check-in na recepção
subir ao quarto
com ele ao lado

quatrocentos e quarenta quilômetros
para estar perto para

(Aguarde enquanto o anfitrião
autoriza o acesso à sala de vídeo)

como se para uma câmera
invisível
modulando o sorriso

primeiro eu
de mãos suando
em meu monólogo

dizer: precisamos conversar
com a voz controlada

(sempre controlado
como se para uma câmera
invisível)

eu transido transpirando tentando o autocontrole no meio
do teatro da minha própria dramaticidade
enquanto ele espontâneo
em sorrisos calmos
que não parecem modulados
depois ele
enquanto estalo
os dedos
dizendo que tudo bem
(não tenho como
desligar o microfone)

até que nada mais
resta a dizer

(fim da vídeochamada)

e não estamos mais
à frente nem ao lado
como se para uma câmera
invisível



Atores em cena – alternative take

recepção
subir ao quarto
ele ao lado

quatrocentos e quarenta quilômetros

flash na mente: aguarde
o anfitrião lhe dará
acesso à vídeochamada

câmera
sorriso

sento-me na cama
mãos suando
monologo
voz controlada
(fim)

câmera
invisível

eu todo teatro
de solenidade
ele leveza

câmera
lágrimas

diz-me
você veio até aqui
pra isso?

penso: é o mínimo

fim da vídeochamada



variações sobre o inalcance

I.
olho a lata de fumo
sem alcançá-la
como o rosto dela
antes de me dizer não

quando eu tinha oito
ou nove anos, não lembro
dei à primeira ela
um porta-joias comprado
numa viagem a Ouro Preto
(ou talvez fosse outra
quinquilharia qualquer)
e a chamei pra ir ao cinema
— na minha mente minha mãe
nos levava, deixava e depois buscava
o plano perfeito —

mas ela disse não

eu não comprara o porta-joias
pra ela, mas sabia que seria
um presente pra alguém.
entreguei-lhe no recreio
com mãos suadas
olhos vidrados
perguntando quer
ir ao cinema comigo?

como quem entrega
o próprio coração
acelerado & parado
ao mesmo (confuso) tempo
como quem entrega
um amor esculpido
em pedra-sabão
(tão frágil)
perguntando
me ama de volta?

e acho que desde então
o medo dos nãos
contraiu meus dedos
não no gesto de reter
os porta-joias que sigo
distribuindo por aí
mas no de olhar os rostos
evitando alcançá-los
como se alcança um sim
porque ser amado de volta
é um vício difícil
de controlar

como o fumo


II.
olho a almofada sem alcançá-la
como o rosto dela
antes de me dizer não

quando eu tinha oito
ou nove anos, não lembro
dei à primeira ela
um porta-joias comprado
numa viagem a Ouro Preto
(ou talvez fosse outra
quinquilharia qualquer)
e a chamei pra ir ao cinema
— na minha mente a minha mãe
nos levaria e buscaria
: o plano perfeito —

mas ela disse não

eu não comprara o porta-joias
pra ela, mas sabia que seria
um presente pra alguém.
entreguei-lhe antes da aula
com mãos suadas
e olhos vidrados
perguntando se ela queria
ir ao cinema comigo

como quem entrega
o próprio coração
acelerado e parado
ao mesmo (confuso) tempo
como quem entrega
o amor esculpido
em pedra-sabão
— tão frágil —
(ou tecido em quatro pontas
: tão permeável)
perguntando
me ama de volta?

e acho que desde então
o medo dos nãos
contraiu meus dedos
não no gesto de reter
os porta-joias que sigo
distribuindo por aí
mas no de olhar os rostos
evitando alcançá-los
como se alcança um sim
porque ser amado de volta
é um vício difícil
de controlar

como o sono


III.
olho o poste sem alcançá-lo
como o rosto dela
antes de me dizer não

quando eu tinha oito
ou nove anos, não lembro
dei à primeira ela
um porta-joias trazido
de Ouro Preto
(ou talvez fosse outra
quinquilharia qualquer)
e a convidei ao cinema
— na minha mente minha mãe
a nos levar, deixar e buscar
: o plano perfeito —

mas ela disse não

eu não comprara o porta-joias
pra ela, mas sabia que seria
um presente pra alguém.

mãos suadas
e olhos vidrados
como quem entrega
o próprio coração
acelerado e parado
ao mesmo (confuso) tempo
como quem entrega
um amor esculpido
em pedra-sabão
(tão frágil)
perguntando
me ama de volta?

e acho que desde então
o medo dos nãos
contraiu meus dedos
não no gesto de reter
os porta-joias que sigo
distribuindo por aí
mas no de olhar os rostos
evitando alcançá-los
como se alcança um sim
porque ser amado de volta
é um vício difícil
de controlar

como ver nos objetos
mais alheios a ela
(seja qual a do momento)
seu rosto diante
da minha entrega

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Thássio Ferreira
, escritor radicado no Rio de Janeiro, é autor de (DES)NU(DO) (Ibis Libris, 2016) e Itinerários (Ed. UFPR, 2018 —  obra vencedora do i Concurso Literário da editoria universitária). Foi editor e curador da Revista Philos de Literatura Neolatina. Tem poemas e contos publicados em revistas e antologias, como Revista Brasileira (nº 94), da Academia Brasileira de LetrasEscamandroGuetoMallarmargensRuído ManifestoGerminaRevista Ponto (SESI-SP), aqui na Vício Velho, InComunidade (Portugal), e outras. Mantém página no Facebook e no Instagram