AVISO AO LEITOR – VERA SAAD

Coluna | Palimpsesto


 

Difícil falar de literatura sem pensar em um leitor imaginário. Este mesmo a quem o escritor se direciona, muitas vezes explicitamente, na obra, como podemos observar nos romances de Machado de Assis. Não por acaso existe um espaço na obra literária reservado ao leitor imaginário. Intitulado frequentemente de Aviso ao Leitor, este paratexto (a utilizar o termo cunhado por Gerard Genette para nomear elementos extratextuais como títulos, subtítulos, epígrafes, dedicatórias, prólogos, prefácios, posfácios, advertências) caracteriza a relação leitor-escritor de uma forma singular.

O palimpsesto da vez é de dois curiosos avisos ao leitor. O primeiro é de Rousseau e o segundo de quem o inspirou, Montaigne:

“Este é o único retrato de homem, pintado exatamente segundo o natural e em toda a sua verdade, que existe e que provavelmente existirá jamais. Quem quer que sejais, vós a quem o meu destino ou a minha confiança fizeram árbitro deste caderno, pelos meus infortúnios, pelas vossas entranhas, e em nome de toda a espécie humana,[…]” J.J. Rousseau, Confissões

“Do autor ao leitor […] Prefiro, porém, que me vejam na minha simplicidade natural, sem artifício de nenhuma espécie, porquanto é a mim mesmo que pinto. Vivos se exibirão meus defeitos e todos me verão na minha ingenuidade física e moral, pelo menos enquanto o permitir a conveniência. Se tivesse nascido entre essa gente de quem se diz viver ainda na doce liberdade das primitivas leis da natureza, asseguro-te que de bom grado me pintaria por inteiro e nu. […] E que agora Deus o proteja. De Montaigne, em primeiro de março de 1580.” Montaigne, Ensaios.

Percebam a busca pela verdade por um lado em ambos os casos, e por outro a dissimulação da persona já no aviso ao leitor, uma vez que ambos, quando já pintados, se afastam “três graus da verdade”, pra usar aqui o conceito exposto em A República, de Platão. Mas isso é assunto para outro artigo.

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Vera Saad é autora dos romances Dança sueca (Patuá, 2019) e Telefone sem fio (Patuá, 2014) e do livro de contos Mind the gap (Patuá, 2011), é jornalista, mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC – SP e doutora em Comunicação e Semiótica também pela PUC – SP. Ministrou no Espaço Revista Cult curso sobre Jornalismo Literário em 2012. Tem participações nas revistas Cult, Língua Portuguesa, Metáfora, Portal Cronópios e revista Zunái. Vencedora do concurso de contos Sesc On-line 1997, avaliado pelo escritor Ignácio de Loyola Brandão, foi finalista, com o romance Estamos todos bem, do VI Prêmio da Jovem Literatura Latino-Americana. Seu romance Dança sueca foi selecionado pela Casa das Rosas para o projeto Tutoria, ministrado pela escritora Veronica Stigger. Mantém uma coluna semanal na revista Vício Velho.