SANGUE DE MIM, DE POLYANA DE ALMEIDA RAMOS – VERA SAAD

Coluna | Palimpsesto


A editora Patuá fez aniversário no mês de março e, por ser minha casa por quase dez anos, por sempre abrir as portas para meus sonhos malucos e ter à frente essa pessoa incrível que é Eduardo Lacerda, não poderia deixar essa data passar em branco. Pensei, então, em escrever sobre os livros da Patuá que me marcaram. Não farei resenhas propriamente ditas, pois demandaria um tempo de que hoje não disponho, mas comentarei sobre os livros, tentarei passar aqui porque eles me são tão especiais.

Começo com um romance muito pouco comentado, mas tenho a impressão de que fosse ele publicado hoje, teria ganhado muitos prêmios, resenhas e leitores. Como livro bom nunca morre, me apego à ideia de que esse ainda será redescoberto e ganhará o holofote e, sobretudo, os leitores que merece. Refiro-me ao romance Sangue de mim, de Polyana de Almeida Ramos.

Publicado em 2012, o livro trata do racismo e é escrito por alguém que o viveu e o vive ainda hoje. A capa já é muito curiosa, pois nela há uma amora, de onde escorre seu sumo vermelho, confundido com o sangue. A amoreira e o sangue são figuras centrais do romance (a árvore ficou no meu imaginário de tal maneira, que permaneceu de alguma forma na jabuticabeira do meu romance Dança Sueca), unem passado e presente, escravidão e racismo. Além de muito bem amarrado, o romance é muito bem escrito, com uma carga poética muito forte, as imagens ainda hoje, mais de oito anos depois da leitura, me acompanham. Deixo aqui um trecho para ilustrar o que escrevo:

“Na época das amoras, a vida antes parece um sonho, um sonho de origem desconhecida, um sonho daqueles que rememoramos as partes mais absurdas, fazendo sentido, sentindo, para prever nosso futuro, adivinho, pelos fortes contornos dos desejos nos sonhos, fortes e fracos, nada é muito nítido nos sonhos e na época das amoras a gente queria, eu queria viver na eternidade […]”  

Aguardo, sinceramente, que, ao menos após este meu breve texto, alguém se anime a comprar o livro, um bem não apenas ao leitor, escritora ou editora, mas à literatura brasileira, constituída de bons escritores como Polyana de Almeida Ramos.

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Vera Saad é autora dos romances Dança sueca (Patuá, 2019) e Telefone sem fio (Patuá, 2014) e do livro de contos Mind the gap (Patuá, 2011), é jornalista, mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC – SP e doutora em Comunicação e Semiótica também pela PUC – SP. Ministrou no Espaço Revista Cult curso sobre Jornalismo Literário em 2012. Tem participações nas revistas Cult, Língua Portuguesa, Metáfora, Portal Cronópios e revista Zunái. Vencedora do concurso de contos Sesc On-line 1997, avaliado pelo escritor Ignácio de Loyola Brandão, foi finalista, com o romance Estamos todos bem, do VI Prêmio da Jovem Literatura Latino-Americana. Seu romance Dança sueca foi selecionado pela Casa das Rosas para o projeto Tutoria, ministrado pela escritora Veronica Stigger. Mantém uma coluna semanal na revista Vício Velho.