Coluna | Alguma coisa em mim que eu não entendo
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mora agora
no azul das horas
contravim carpete
de nevoeiro
em meu banheiro
uma lagartixa
bebê
apelidei-a
tempo
gerações
sereno, o pai me olha
(sorrindo) colhendo acerolas
do pé que ele plantou há
vinte anos e me obrigava
regar a contragosto
(pelos avessos também)
não tenho essa vaidade:
plantar e ver crescer
meu próprio pó
já (não) me basta
#
vê-se a mãe
em seu ofício novo
de fazer-se avó
dizer aos olhos
chorosos sobre si:
tudo a seu tempo
e de dentro
da própria
palavra tempo
(pairando
parada no ar
abrindo-se em
alçapões)
surge um coringa
a borrar a tinta
e sussurrar
a(o) tempo: tudo (é) seu
#
o sangue
descamando
-se em fo-
lhas no ou
tono
paisagens súbitas
no cerol insano
que lambe o novelo
do tempo
#
do sonho
sobra só
a espinha
com suas
verdades escritas
a carbono catorze
mas eu
(pobre humanista)
não sei
quais são
# carma
nalguma vida
que se avizinhe
(se as houver)
quero voltar
vaga-lume
no jardim da casa
onde a avó dançava
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Thássio Ferreira é escritor, autor de (DES)NU(DO) (Ibis Libris, 2016), Itinerários (Ed. UFPR, 2018) e agora (depois) _(Autografia, 2019). Tem poemas e contos publicados em revistas e antologias, como Revista Brasileira (nº 94), da Academia Brasileira de Letras, Escamandro, Gueto, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Germina, Revista Ponto (SESI-SP), aqui na Vício Velho, InComunidade (Portugal), e outras. Seu conto _Tetris foi o vencedor do Prêmio Off Flip 2019, e seu livro inédito Cartografias, finalista do Prêmio Sesc 2017. Foi editor e curador da Revista Philos de Literatura Neolatina. Mantém página no Facebook, no Instagram e uma coluna quinzenal na revista Vício Velho.