“EU SÓ EXISTO POR ESCRITO” – VERA SAAD

Coluna | Palimpsesto


Dando continuidade à série de livros da Editora Patuá que me marcaram, trago aqui um livro recente, publicado neste ano, que tive a honra de escrever o prefácio. Trata-se de Armadura lírica, da poeta Bruna Baldez. Aproveito para convidá-los a conhecer o livro e a editora.

Entre a palavra e aquilo que nomeia existe a arte, um ponto inexato entre o inominado e o batismo. Somos feitos de palavras, como já o observou Octavio Paz, mas penso que o artista busca a essência daquilo que designamos, lança a pergunta grega “o que é isto que nomeamos árvore?” sobre um mundo à sombra da linguagem.

Talvez em um caminho inverso, Bruna Baldez busca na sintaxe algum sentido diverso do que a língua impõe. Em Poesia Censurada escreve “E o advérbio – já distante – reverbera a liberdade / de gênero/ número / voz/ e classe”, quando nos convida a uma outra língua, “outra voz”, a citar novamente Octavio Paz, que se refere à voz das paixões e das visões, de outro mundo e deste, entre a revolução e a religião. Aquela outra voz que desafia: “no fim já não sei se fui eu ou o outro que morreu”.

Nos hiatos e ditongos, no verso livre (“um desvio entre milhões”), somos aos poucos transportados a esse entremundos pelo qual se constrói a poesia de Bruna Baldez. Um canto, um pequeno espanto, o espelho inevitável de um mundo bambo.

Ainda que, à primeira vista, sua poesia pareça pessoal, a autora alerta: “escrever não é ato isolado”, quando me dou conta do quanto seu olhar é para si e para o outro, mistura de gente e de mundo. Quando também percebo que nos versos “Eu só existo por escrito/Sobrevivo à flor do lápis” do poema Corpo-Linguagem há algo muito maior. A constatação de que a poesia sobrevive neste mundo um tanto doente e de que talvez seja nossa maior armadura.

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Vera Saad é autora dos romances Dança sueca (Patuá, 2019) e Telefone sem fio (Patuá, 2014) e do livro de contos Mind the gap (Patuá, 2011), é jornalista, mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC – SP e doutora em Comunicação e Semiótica também pela PUC – SP. Ministrou no Espaço Revista Cult curso sobre Jornalismo Literário em 2012. Tem participações nas revistas Cult, Língua Portuguesa, Metáfora, Portal Cronópios e revista Zunái. Vencedora do concurso de contos Sesc On-line 1997, avaliado pelo escritor Ignácio de Loyola Brandão, foi finalista, com o romance Estamos todos bem, do VI Prêmio da Jovem Literatura Latino-Americana. Seu romance Dança sueca foi selecionado pela Casa das Rosas para o projeto Tutoria, ministrado pela escritora Veronica Stigger. Mantém uma coluna na revista Vício Velho.