PSICONOTAS – AUDIOVISUAIS – JOÃO PAULO PARISIO

Coluna | Sentido


Quando estavam formando o elenco para a série Ragnarok, todos os candidatos ao papel do protagonista, Magne Seier, um jovem dócil que descobre ser avatar de Thor, num empréstimo frutífero da mitologia hindu, eram homens fortes.

Explicaram que, em consonância com o ponto de partida do personagem, o ator selecionado teria que perder os músculos, fazer sem eles a primeira temporada, para recuperá-los na segunda. Todos se recusaram a abdicar do resultado de esforços seculares, como pessoas ricas convidadas a empobrecer para ver se enriqueceriam de novo, menos David Stakston, de apenas vinte anos, não menos musculoso que seus ex-concorrentes.

“Já sabíamos quem era nosso Thor. Pois Thor não era só um deus forte, ele era astuto. Volúvel, mas astuto, e o modo impetuoso e intrépido como David aceitou o desafio foi que nos deu a certeza de que ele era o cara certo, não o fato de ser o único candidato disponível. Ele não era o único, ele era único. Ele era Thor, de volta para Ragnarok”, conta a diretora de elenco, Freya Korangar. A série norueguesa fez sucesso logo na primeira temporada. A segunda elevou o interesse e se manteve entre as mais vistas do Brasil e do ranking geral por semanas. A Netflix confirmou oficialmente uma terceira e última temporada de Ragnarok. A estreia está prevista para o final de 2022.

Às vezes é preciso recuar um passo para dar dois adiante, não é mesmo David Stakston? Fica a lição.

(Mentira, fui eu que inventei essa estória e Korangar é Ragnarok ao contrário.)

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O escritor é um tiktoker. Performa sem testemunha e grava o melhor desempenho. Vai além: edita e monta as tentativas de modo a exibir um resultado que ultrapasse sua capacidade.

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Gravar um vídeo para as redes sociais é interagir com uma média imponderável.

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Fosse uma partida de xadrez, a série O gambito da rainha, embora discorra sobre uma enxadrista brilhante e impetuosa, seria apenas competentemente conservadora.

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Oktay, de As vidas secretas da família Uysal, é uma espécie de Walter White movido por uma necessidade interior, e não por escalhandros. Walter White descobre a necessidade interior, Oktay parte delas.

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O filme da sua vida estivera sentado ao seu lado, compreendeu ao fim o cinéfilo.

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Às vezes a solidão era tão intensa que assistia a filmes de terror para que o medo lhe oferecesse concorrência.

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João Paulo Parisio (@jpparisio), nascido no Recife em 4 de setembro de 1982, é autor de Legião anônima (contos, 2014, Cepe editora), Esculturas fluidas (poemas, 2015, Cepe editora), Homens e outros animais fabulosos (contos, 2018, editora Patuá) e Retrocausalidade (romance, 2020, prêmio Pernambuco, Cepe editora), obras que o situaram entre os expoentes da literatura brasileira contemporânea. Apontado pelo crítico José Castello como “um dos principais nomes da nova geração de narradores brasileiros”, tem ainda textos veiculados em revistas, jornais e sites especializados.