Coluna | Alguma coisa em mim que eu não entendo
prestes a dar-se a mundo, a lagarta poética retorna ao casulo, para se refazer um cadinho, antes de borboletear. enquanto isso, compartilho alguns poemas terra-e-fogo como aperitivo-botão-de-flor:
# chão
a casa é mais velha
que eu
não me interessa
a terra, a terra
é mais velha
sobre seu tempo
esvaído em tanto
cascas, verde-anil
sombras de ruídos
dói-me descobrir
gozando surpresa
: este meu chão
#
dentro da noite o desafio
: tecer o poema
(ou talvez melhor: pari-lo)
dentre as entranhas
#
no leme
do meio dia
uma mulher
de nome eurídice
(não gosta de literatura)
atrás da cabeceira
da cama
lê
aqui queimou clarice
e não chora
# quintal
alguns espantam
o viveiro de aeronaves
em meu quintal
não escutam
os poemas que as turbinas
alevantam
cantam e entoam
poesia
esses pássaros
que todo dia
se libertam
# leiuras contemporâneas
andei lendo a odisseia
depois de vencida a ilíada
mas cansei do rei de ítaca
quem mandou guerrear
por orgulho de macho ferido
fui ler o manual antifa
#
lamber
é um dos
verbos
gestos
versos
+ delícias
da língua
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Thássio Ferreira é escritor, autor de (DES)NU(DO) (Ibis Libris, 2016), Itinerários (Ed. UFPR, 2018), agora (depois) _(Autografia, 2019) e Nunca estivemos no Kansas (Patuá, 2022). Tem poemas e contos publicados em revistas e antologias, como Revista Brasileira (nº 94), da Academia Brasileira de Letras, Escamandro, Gueto, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Germina, Revista Ponto (SESI-SP), aqui na Vício Velho, InComunidade (Portugal), e outras. Seu conto _Tetris foi o vencedor do Prêmio Off Flip 2019, e seu livro inédito Cartografias, finalista do Prêmio Sesc 2017. Foi editor e curador da Revista Philos de Literatura Neolatina. Mantém página no Facebook e o Instagram