Coluna | Alguma coisa em mim que eu não entendo
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reuniram-se.
temos um assunto urgente a tratar.
mas onde está o cronópio?
que cronópio?
cronópio. kafka. (sic)
é justamente sobre isso que precisamos tratar, senhores: o desaparecimento dos cronópios.
mas sem o cronópio não podemos deliberar.
não podemos.
não podemos.
mas, senhores, se
não podemos
não podemos!
# diálogo de mim comigo
— por que você não escreve mais?
— porque dói.
— e por que não ama mais?
— porque dói.
…
— continua tentando mudar o mundo?
— pouco. dói muito.
— o que você tem feito então?
— me anestesiado.
(— e tem funcionado?
— não. dói também.)
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a vó me ligou. havia uma razão prática, mas antes ela abriu a caixa de lembranças. contou-me até do nascimento da mãe, em pleno carnaval.
fez piadas. falou de antigas inseguranças, das zoeiras do (meu) vô. do pai (dela). gargalhamos.
— tem uma coisa, eles gostam de mim.
— e quem não gosta?
— pois não sei porquê!
— porque você é maravilhosa!
— eu não valho nada!
— e mesmo assim é maravilhosa! pra você VER O NÍVEL GERAL!
— vocês tão fodidos comigo! sifu!
gargalhamos de novo.
ao nos despedirmos, dissemos eu te amo ao mesmo (espontâneo) tempo.
foi um bom dia.
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Thássio Ferreira é escritor, autor de (DES)NU(DO) (Ibis Libris, 2016), Itinerários (Ed. UFPR, 2018), agora (depois) _(Autografia, 2019) e Nunca estivemos no Kansas (Patuá, 2022). Tem poemas e contos publicados em revistas e antologias, como Revista Brasileira (nº 94), da Academia Brasileira de Letras, Escamandro, Gueto, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Germina, Revista Ponto (SESI-SP), aqui na Vício Velho, InComunidade (Portugal), e outras. Seu conto _Tetris foi o vencedor do Prêmio Off Flip 2019, e seu livro inédito Cartografias, finalista do Prêmio Sesc 2017. Foi editor e curador da Revista Philos de Literatura Neolatina. Mantém página no Facebook e o Instagram