Coluna | Alguma coisa em mim que eu não entendo
(ou a produtividade feita de sal e areia do poeta em férias no sul da bahia)
# poemãehia
para sandra
o som desse mar (pra mim)
tem marromenos quarenta anos
diz a mãe que talvez
tenha sido na bahia
o momento ínfimo
em que um esperma-
tozóide sem nome
ondeou-se ao óvulo
sem rosto até
a preia-mar
— não, filho
quando viemos
eu já estava grávida
— mãe, é um poema
não é biografia
sorriachega-se
faz-me um cafuné
e observa os dedos
que fabricou, hoje enrugados
costurarem seu próprio rebento
# boipeba (sem cueca)
para jana
na ilha com nome de tartaruga
(se a língua fosse tua
que fonema criarias?)
nessa costa de maravilhas
muito depois da boca da barra
uma praia: cueira
(se cueiros são panos de bunda
de bebês recém-nascidos
que diabos será a semelhança?)
e a certeza:
dentre tanto azul
a vida é muito curta
pra se usar cueca
(ainda mais na bahia)
diz-me depois o marinheiro
cueira é cuia, cabaça
(pra bater berimbau)
que tinha muito na praia
ao lado, mana tassimirim
: coral pequeno
vida curta
vocês já sabem
degustemos as polpas
do prazer (paus e bundas)
enquanto há sol
# febre marinha
para matheus guménin barreto
desfibrilar a febre das marés
com arpoadas em coice
ao peito salobro
até transpirar espinhas
só espinhas, sem peixes
e aprender sob o sol
o gosto átono
de todo tédio
e tesão
a evaporar
(ou submergir
em desafogo)
# roteiro impossível
para m.
queimar nossas fotos
não pra esquecer
(releiam o título)
mas sublimar
porém não temos fotos juntos
sequer no celular
só nudes acumuladas
(às) tantas, transbordei
doar a camiseta que te emprestei
porém é a que melhor me serve
(valoriza meu peito) como
o buraco com teu nome não faz
usar pó até o pau não subir mais
pra ver se o desejo desiste
porém o risco de morrer
não vale tua mudez
não foi culpa tua
eu sei
também não foi minha
(bom, talvez sim
mas o poema é meu
então direi que não)
porém o beco sem saída
depois que entramos nele
não se importa
a sinuca de bico
o mato sem cachorro
(que nem faz sentido)
são fatos, não peças
de acusação ou defesa
o desencontro, o desastre
desafiam causas e dormem
dentro da minha insônia
até em tempo se gastarem
#
o ronco rouco
contínuo como dor de cabeça
rasga e torce a massa d’água
que nunca e rápido cicatriza
diesel? gasolina?
yamaha 90 HP
se eu entendesse
de motores de barco
como entendo
de fazer besteiras
em quê mudaria a viagem?
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Thássio Ferreira é escritor, autor de (DES)NU(DO) (Ibis Libris, 2016), Itinerários (Ed. UFPR, 2018), agora (depois) _(Autografia, 2019) e Nunca estivemos no Kansas (Patuá, 2022). Tem poemas e contos publicados em revistas e antologias, como Revista Brasileira (nº 94), da Academia Brasileira de Letras, Escamandro, Gueto, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Germina, Revista Ponto (SESI-SP), aqui na Vício Velho, InComunidade (Portugal), e outras. Seu conto _Tetris foi o vencedor do Prêmio Off Flip 2019, e seu livro inédito Cartografias, finalista do Prêmio Sesc 2017. Foi editor e curador da Revista Philos de Literatura Neolatina. Mantém página no Facebook e o Instagram
(Imagem: Coroflot)