OREMOS – ADRIANO ESPÍNDOLA SANTOS

Coluna | Anseios Crípticos


 

Não estou ficando louco. Talvez esteja a ponto de esquecer a minha loucura. Falam que escrever é um ato que se aproxima da insanidade. “Nos dias de hoje, escrever? Tem a inteligência artificial… Os seus dias estão contados”, e riem, desejosos de apagar a minha memória. Tudo debalde, banal, irracional? Um colega de trabalho, metido a cultor da magnificência da tecnologia, relatou que escritor será uma das primeiras profissões erradicadas, como a de dublador, por exemplo. Em que pese admirar a minha escrita – e até hoje não sei se leu uma vírgula sequer do que escrevo; e não quis confrontá-lo, para não o constranger –, deu-me os pêsames, de forma velada, por escolher o fado de ser escritor, e por ter concluído o curso de Letras. “Não tardará para que as máquinas engulam as gramáticas e os gramáticos”. O engraçado é que, vira e mexe, ele vem à minha mesa para pedir orientações, para a melhor construção de períodos nos seus textos, para se tornar altamente persuasivo e diligente. Se não fosse a minha imbecil passividade, já o teria mandado à merda. Resumindo: ele é um liberal que almeja prestar concurso público e carece do SUS para as suas emergências. Ainda que contrariado e ingênuo, passei dias pensando se realmente a escrita literária seria atacada pela tecnologia, e de pronto pensei na figura do alfaiate, que, apesar de escassa, mede perfeitamente as linhas e se mantém ainda na predileção dos grã-finos. Mesmo no pior cenário, não seria capaz de abandonar a minha verve, que me alimenta nesses tempos sombrios. Veja, a minha fissura por escrever me confere uma série de contratempos: minha mulher pergunta se estou pirando, por estar escrevendo e lendo ao mesmo tempo, para encontrar os desequilíbrios dos textos. Todos os materiais que recebo para revisão – sim, ainda sou um bem requisitado revisor – passam pelo mesmo processo, que chamo de “desvairar nas linhas”. Desde que assisti a um curso do mestre Marcelino, convenci-me de que é preciso escrever e ler como quem reza – essa é a sua firme orientação. Ou seja, não se pode ler desvinculado do texto, como a ler uma “reportagem” da revista Caras. É um corpo uno, pois que, para escrever, cabe a leitura para atiçar todos os sentidos. Então, alheio à realidade acaçapante, tenho me inteirado da minha religião, a escrita, o sacrossanto ambiente das digressões, das excitações suprassensoriais, como algo que se deve fazer diariamente, de forma constrita e dedicada. E, por mais que queiram extinguir a escrita literária, estarei, ainda, a par de minhas sandices, regando-as, para que sejam profícuas sementes de alienação e perdição. Oremos. 

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Adriano Espíndola Santos (Instagram | Facebook) é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”; em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, pela Editora Penalux; e em 2022 a coletânea de contos “Não há de quê”, pela Editora Folheando. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.

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Referências

ARTE E CULTURA – PROVOCAÇÕES – MARCELINO FREIRE. Disponível aqui. Acesso em: 11 mar. 2024.

FREIRE, Marcelino. Ossos do ofídio. Disponível aqui. Acesso em: 11 mar. 2024.

FRAZÃO, Dilva. Biografia de Marcelino Freire. Disponível aqui. Acesso em: 11 mar. 2024.