SOLITUDE – ADRIANO ESPÍNDOLA SANTOS

Coluna | Anseios Crípticos


 

Corruptela de solidão. É estar entranhado nos seus próprios dilemas. É não ter a presença do que se quer. Solitude. Passei meses imersos na solidão, dentro de mim, sem estar comigo, como se eu fosse um paralelo distante; como se minha voz interior se dissipasse, quando pedia ajuda. Nesses momentos de incompreensão, até sobre o sentido da existência, me apego às leituras. É uma forma de viajar e sair do meu lugar de inércia. Meu filho e minha esposa preenchem, quase que completamente, vazios dentro de mim. Minha mãe reza por mim, alegando que alguma divindade me salvará. João, meu grande amigo, me demanda, do seu jeito sutil, um pouco de atenção. Tenho poucos amigos, talvez sete ou oito, e todos eles se preocuparam comigo; uns vieram na minha casa, outros me ligaram, pedindo que não me afastasse. Mas acho que a solitude é um ato de preservação, contra os males do dia a dia; por estar à beira do precipício, ela precipita o corpo (ou a alma) na expansão dos pensamentos. E é exatamente por isso que preciso da leitura. Já não falo em escrever, que também é um processo de solidão e de descobertas, porque o ânimo só me permite, no momento, ir além através da leitura e da elaboração dos sentidos que ela proporciona. Tenho me afastado inclusive de pessoas que têm uma energia negativa; de notícias ruins. Sou um ermitão da pós-modernidade. O meu psiquiatra teima que isso é depressão, e eu considero que, mais do que a depressão, há uma melancolia radicada em mim. Se é assim, nunca ficarei plenamente curado. E por que o digo? Porque nunca me senti plenamente feliz, como a minha esposa, que sorri para o sol. Acho um exagero sem tamanho, mas não a questiono; não quero ser estraga-prazeres. Voltando à leitura, tenho me deparado com livros interessantes. Ganhei o livro “A glória e seu cortejo de horrores”, de Fernanda Torres. Meio cético, resolvi lê-lo. Fernanda Torres me surpreendeu, porque, além de excelente atriz, é dona de uma prosa radiante. Senti-me um pouco como Mario Cardoso, acometido pelas trapaças da vida; e porque muitas vezes questionou a sua condição de ator, ainda que se orgulhasse do passado, como faço com a escrita, perguntando-me se sou, de fato, escritor. São as palavras que me acariciam, e eu tenho, quem sabe, a habilidade de compô-las num tecido de seda, onde deveriam estar, no espaço e no papel. Como Mario Cardoso, tento experimentar uma nova sensação; ele o fez na encenação de Rei Lear – ou seja, ao arriscar bloquear a melancolia, ensaiando a escrita de um novo livro. Por sinal, há um na gaveta, que quero muito pegar para dispersar os vultos de meu pai; é uma obra em que relato a minha relação, sempre ambígua, complexa, com meu pai. É uma autoficção que precisa ser apurada, arrumada, para ganhar corpo. Falarei mais em outra prosa, porque nesta me ocupo da solitude – e da melancolia. Lendo o livro de Fernanda Torres, me parece que o fracasso faz parte da vida; devo testar, enfim, porque, independente disso, a solitude irá me acompanhar, para o bem ou para o mal da minha insossa existência.

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Adriano Espíndola Santos (Instagram | Facebook) é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”; em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, pela Editora Penalux; e em 2022 a coletânea de contos “Não há de quê”, pela Editora Folheando. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.