|Alguma coisa em mim
que eu não entendo
Por Thássio Ferreira
eu não sei como começar. nem como seguir.
mas sigo.
(e você, como faz?)
não lembro quando ou porque comecei a escrever. talvez por algum desequilíbrio hormonal, à beira da puberdade, naquele século tão longínquo que nem internet havia. talvez, ainda, eu nunca tenha me reequilibrado, e essa precariedade também (des) explique meu pasmo em seguir — mesmo sem saber porque sigo (escrevendo escrevendo escrevendo).
porque eu sigo. por que eu sigo?
(você lembra por que começou a ler este texto? e por que segue? não minta.)
também não lembro quando ou como eu me apaixonei pela primeira vez. minhas faltas de memória talvez sejam parecidas, nessa dificuldade esquisita de registrar os detalhes justamente de eventos tão importantes ao meu afeto.
(você lembra a primeira vez em que pensou “eu queria que este momento durasse pra sempre”? não minta.)
e no entanto, não paro de seguir tentando desenhar novas lembranças e esquecimentos, escrevendo novos pasmos e incompreensões na carne luminosa, cinzenta, chuvosa (tudoaomesmotempo) dos dias. por quê? porque sim. porque a opção é a morte, e não quero morrer. prefiro a imensidão (doída, mas prenhe de beleza e gozo) que é construir os significados com os pés em movimento, o sangue quente, o olhar atento. o amor como um oceano, muito maior que uma ponte.
(e você, como tem amado, pelas esquinas e pistas de dança, nas filas de banco e redemoinhos internéticos? tem sido água e correnteza, a cambalhotar na falta de chão? ou tem-se feito engenharia exata, armada na dureza do ferro, do concreto? não minta.)
eu não lembro, com a sinceridade quase dos idiotas, qual desses é meu mais velho vício: amar ou escrever. mas sigo. sigo.
e sigo.
e embora eu também não lembre como ou quando exatamente eu primeiro escrevi aqui, neste não-onde virtual em que você me lê, graças a um bocadinho de amor que alguém teve por algum outro texto meu que também não lembro qual, o que eu quero dizer agora, antes que eu me esqueça, antes que eu me esqueça!, é que seguirei um tempo escrevendo escrevendo escrevendo, de quinze em quinze dias (talvez), (sobre) histórias que não lembro, sobre amores que não entendo. por quê? porque sim.
(e você, seguirá me lendo? não minta.)
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Thássio Ferreira, escritor radicado no Rio de Janeiro, é autor de (DES)NU(DO) (Ibis Libris, 2016) e Itinerários (Ed. UFPR, 2018 — obra vencedora do i Concurso Literário da editoria universitária). Foi editor e curador da Revista Philos de Literatura Neolatina. Tem poemas e contos publicados em revistas e antologias, como Revista Brasileira (nº 94), da Academia Brasileira de Letras, Escamandro, Gueto, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Germina, Revista Ponto (SESI-SP), aqui na Vício Velho, InComunidade (Portugal), e outras. Mantém página no Facebook e o Instagram
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