ANTES QUE SEJA TARDE DEMAIS – ADRIANO ESPÍNDOLA SANTOS

Coluna | Anseios Crípticos


 

“Ah, sim, existe uma divina autora que se chama Maria Valéria Rezende. Você conhece? Procure saber, rapaz, sobre os grandes nomes da atualidade”. Foi a questão que me foi colocada por Assis Diógenes, nos idos de 2015, quando eu estava engatinhando – quando ainda estou engatinhando na literatura. Nosso encontro se deu numa padaria no centro da cidade. Conversávamos há meses pelo Facebook. À época, eu morava em Lisboa. Lia os seus contos espalhados pela internet, e ele sempre foi um cara receptivo, cordial, agradecendo a minha disposição por lê-lo. Confessei-lhe sobre a minha intenção de botar os meus escritos no mundo. Ele, sugestivo e cuidadoso, pedia para ler o que eu tinha escrito nos últimos meses. Eu o enviava com um temor horrível, como se ele fosse me destituir do panteão dos artistas da cidade, prematuramente. Claro, e eu não havia ponderado, ele não teria tanto tempo assim para me dar atenção; viajava, apresentava-se em congressos, e ainda era professor universitário. O seu primeiro retorno veio só com cinco meses. Ele disse que havia potencial, depois de esmagar todos os lugares-comuns e os vícios, que eu não percebia. Ratificou que eu lesse Maria Valéria Rezende. “Não, meu caro, nada de ler os clássicos agora. Vá por mim, se você quer escrever para a sua geração!”. Devo declarar que não sou uma pessoa flexível. Com transtorno obsessivo, sou obrigado a seguir à risca os planos montados na mente. Já havia separado uma pilha de livros catalogados por mim como “urgentes”, como a “Obra Completa”, de Raduan Nassar, “Todos os contos”, de Clarice Lispector, e uma porção de grandes nomes. Não achava, sinceramente, que deveria me guiar pelos contemporâneos. Comecei a ler “A Face Serena”, de Maria Valéria Rezende, e que porrada para um pequeno aprendiz! Percebi que deveria me guiar pela sutileza da ironia, pelos detalhes bem amarrados na trama, que fez parecer, a leitura, um toque de uma mão áspera num vestido de seda bem ornado. Talvez seja um pouco piegas, mas Maria Valéria Rezende foi o pontapé que precisava para me incorporar nessa aventura da escrita moderna e dinâmica. Assis não tem mais tanto tempo para um dedo de prosa, está atulhado e satisfeito com os seus projetos e trabalhos publicados ou no prelo. Penso se terei a dádiva de prolongar as peripécias da minha mente caótica. Ainda estou agarrado ao passado, é bem verdade; não dispenso a leitura mensal de um livro russo – o que é uma coisa boa –, nem consigo dar um basta num projeto que não foi ideado por mim: o trabalho secular, que, quando vi, já estava inteiramente atolado e desgraçado pela rotina. Na nossa conversa recente, Assis prometeu mediar o meu contato com a divina autora. Ela é freira, o que aguça mais o interesse. Parece ser difícil ela sair do “claustro”. Eu queria chamá-la de querida, lhe dar um abraço e agradecer-lhe pela cumplicidade de almas. Aguardo ansioso por esse momento. Antes que seja tarde demais para a nossa finitude.

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Adriano Espíndola Santos (Instagram | Facebook) é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; e em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, ambos pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária. Membro do Coletivo de Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.

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Referências

Acontece nos livros. Comentários sobre o livro “A face serena”, de Maria Valéria Rezende. Disponível aqui. Acesso em: 13 jun. 2023.

KHOURI, Aline. Resenha | “A Face Serena” aborda autodescobertas desde a infância até a morte. Disponível aqui. Acesso em: 12 jun. 2023. 

MORAES, Camila. Maria Valéria Rezende: “As pessoas pensam que freiras são bobinhas. Como podem escrever literatura?”. Disponível aqui. Acesso em: 13 jun. 2023.