Coluna | Anseios Crípticos
Aprendi a ter verve entranhada, para expandir; o que me resta é escrever. Nunca tive sabor pelos fatos comezinhos da vida. Manoel de Barros me ensinou sobre as minúcias. Relutei em acatá-lo, por birra e pouco-caso. Também não tive a coragem de acordar numa manhã sedenta de sol e agradecer a dádiva. Fui descrente, a maioria das vezes. Quis desfazer a eclosão, o átimo que me pôs aqui, umas tantas outras, por não ver solução para a questão: homem, civilização. Sim, fui fraco e pouco sentimental. Só soube do amor com o nascimento de meu filho – talvez o soubesse com a presença de meu pai, que, por ter morrido jovem, esvaneceu da minha memória. Tinha a intenção de ser incauto – como na máxima: quem não sabe não teme –, e me irritei com a aflitiva curiosidade pelo saber. Ainda me pego com o fatalismo, essa ideia filosófica que limita o homem a um deus da ubiquidade e da onisciência, que alcança o amanhã, por isso desqualifica, pela lógica, o livre-arbítrio. Agora sou do tipo que se fia em materialidade, em praticidade e em pragmatismo. Você, leitor/leitora, pode dizer que sou amargo por opção, quando, na verdade, sou amargo porque a vida me fez assim. A melancolia também é uma condição, como bem avaliou João Cabral de Melo Neto. Sou feliz por senti-la. A minha ex, que depois da separação ainda me cobra mundos e fundos, disse que não sou feliz; que ficaria longe de mim porque a sua prioridade era ser feliz. Pelo visto, sou intragável de acompanhar, talvez pelo fato de não querer seguir a ermo, com qualquer sorriso descartável. Disse que a minha felicidade se esconde em pequenos gestos e expressões; tenho de procurá-la para provar. Um amigo querido me falou do ateísmo na humanidade, ao me mandar um vídeo sobre as barbaridades que cometeram contra os Yanomamis. “Não se pode confiar que o homem faça grandes coisas. Não vejo futuro”. Lula deu um alento, eu lhe respondi. Ele falou que gostava dessa minha esperança. Não preciso crer para viver, contudo é imprescindível que, ao caminhar, possa pensar em saídas melhores, como se estivesse num labirinto infestado de jacarés e leões, com poucas opções de salvação; é o puro instinto de se safar. Há, obviamente, momentos em que quero sumir para não participar dessa experiência fracassada, que é viver entre os meus, para a qual vejo pequenas luzes, longe, de perspectiva. O que faço é berrar contra os delírios dos possessos, porque compreendo o tutano, a essência de meus ossos, e não comungo em absolutamente nada do que o monstro, ex-presidente, e seus asseclas apresentaram, nessa incrível marcha que foram esses quatro últimos anos. Hecatombe geral. Ainda não estou seguro se careço de buscar um sentido para a sobrevivência, ou apenas seguir?
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Adriano Espíndola Santos (Instagram | Facebook) é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; e em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, ambos pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária. Membro do Coletivo de Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.
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Referências
Acontece nos livros. O poeta Leonardo Almeida Filho fala sobre processo criativo. Disponível aqui. Acesso em: 14 ago. 2023.
Almeida Filho, Leonardo. Tutano. São Paulo: Patuá, 2020.
Almeida Filho, Leonardo. Os possessos. São Paulo: Patuá, 2021.
Almeida Filho, Leonardo. Berro. São Paulo: Patuá, 2022.