CLÃ – ADRIANO ESPÍNDOLA SANTOS

Coluna | Anseios Crípticos


Eu era apenas um menino utópico, quando entrei na especialização em Escrita Literária. Aliás, a utopia é algo que me persegue, contra alguma desesperança renitente. Elaborava mil planos. Queria somente escrever, escrever, sem pensar no depois. Supus até que poderia ser descartado cedo da vida, feito Tchekhov e afins, sempre mortos antes da despedida. Na verdade, sou ansioso; é um defeito que me mantém vivo, pode acreditar. Não fosse ansioso, esperaria o momento propósito – Para quê? Voltando ao que queria dizer, sobre a especialização: os olhos brilharam na primeira, na segunda e na terceira aulas. “É isso, me decidi!”. Seguiria os passos dos banidos do fado alencarino-belleepoqué com orgulho: por amor à arte. Poderia, sim! Por pouco não me debandei para um retiro de poetas, no sul do estado. Não fui porque minha mulher não deixou. “Você está louco, Bernardo, tem muito o que fazer por aqui… E eu, tô podre?!”. Iríamos, segundo bolava, eu e Marília para os confins da verdadeira vivência – Para nos perdermos ou nos encontrarmos? Não importa. Pouco mais, fui atingido pela lança da realidade, que me pregou na parede da existência: “Olha, Bernardo, você precisa cuidar de sua mãe, ela já está bem velhinha, e fez tanto por você…”. Minha mãe estava com câncer de pele, conforme a primeira avaliação de sua médica. Com setenta e dois anos, ela queria e insistia na ideia de ter um netinho. “Meu filho, será que vou ver o meu netinho?”. Ela abraçou a suposta inteligência de ter um neto homem. Estaria atacada por um princípio de demência. Cogitei, anônimo, para não me chamarem de desnaturado. “Meu filho, só tenho você aqui comigo, não me abandone”, era o canto de lamúria tantas vezes proferido, porque meu pai havia morrido anos antes e meu irmão passou num concurso para auditor no Rio de Janeiro. Influenciei mamãe, docemente, para que se mudasse por um tempo para o Rio. Ela não suportava o fato de ficar longe do cerne da família, seus irmãos, filho e sobrinhos. Voltei ao trabalho secular: um saco! Vesti roupa e sapatos adequados ao requinte tupiniquim. Teria de pagar pelas trivialidades da vida, que não me importavam, como aluguel, faculdade, prestação do carro e mais uma porção de obscenidades mundanas. Marília anunciou que estava grávida, em meados de 2020. Teria mesmo de assumir a arte sob as condições que me foram impostas. Conheci, no terceiro mês de faculdade, o mestre Cupertino Freitas. Cruzamo-nos no corredor, e puxei conversa, para lhe dizer dos meus planos para o TCC, a ambiciosa escrita de um romance. Ele não sabe, mas me tremia contido nesta capa de carne; precisava manter ou transparecer sobriedade, no meu juízo incauto. Sabia que Cupertino era uma fera na escrita. Ele poderia ser o meu orientador. No ato, ele topou me guiar na empreitada. Trocamos convincentes possibilidades na construção da arte. Ele abraçou o menino artista, lesado pela imprecação voraz do mundo exterior. As nossas mentes fervilhavam, principalmente quando nos debandávamos, com alguns colegas, para os bares das cercanias. Já não sofria tanto pela guinada do destino. Seria pai em breve, e queria mostrar os meus escritos ao meu filho. Cupertino foi e é a cadência frequente da boa literatura. Juntos, e distantes, superamos a pandemia, crescemos como escritores; saboreamos os nossos sonhos, mutuamente. Para dizer o básico, Cupertino, o Dadivoso, não mede esforços para ajudar. O bendito livro, uma saga revolucionária no Ceará, foi publicado e aceito pelos leitores. Até hoje recebo valiosos feedbacks. Agora sei que não estou só. Há muitos loucos como eu… Bem, adeus, preciso honrar o nosso clã.

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Adriano Espíndola Santos (Instagram | Facebook) é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”; em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, pela Editora Penalux; e em 2022 a coletânea de contos “Não há de quê”, pela Editora Folheando. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.

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Referências

FREITAS, Cupertino. Apresentação e poesias. Disponível aqui. Acesso em: 18 out. 2023.

FREITAS, Cupertino. Como eu escrevo. Disponível aqui. Acesso em: 18 out. 2023.

FREITAS, Cupertino. Escrita Literária. Disponível aqui. Acesso em:  18 out. 2023.