Coluna | Anseios Crípticos
Em 2017 retornei a Fortaleza, cheio de ideias para emplacar o mundo novo. Tinha, aí, um romance engatilhado para publicação. Que pretensão! Era verde para essas coisas de escrita, mercado editorial e afins. Tinha absoluto medo do que pudesse acontecer. Sem contar que nunca gostei de exposição, e refletia que, para ser escritor, precisaria me expor ao extremo. A priori, resolvi esperar. Quando tempo seria necessário para lançar a minha primeira obra? Desencanei. Uma máxima era certa: nada de acreditar em coaching de escrita, que prometia preparar o mais novo autor de best-sellers – sim, no plural –, e ganhar rios de dinheiro – mas que merda é viver no capitalismo; desculpe o desabafo. I hate coaching, fórmulas e congêneres. Eu queria e quero agressividade, pungência, que não cabem em fôrmas editoriais. Certo é que havia uma voz própria em mim, que precisava melhorar – e muito. De longe, acompanhava uma turma boa de artistas que eram lançados pela Patuá. Resolvi pedir alguns exemplares para saber o que pintavam para a novidade. Cinthia felizmente veio nessa primeira remessa de seis livros. Que sorte a minha encontrar “Todos os abismos convidam para um mergulho”. Na primeira pegada, resolvi desacelerar e ler como a degustar um bom aperitivo, um fluido e impregnante vinho do Porto. Ela não sabe, mas precisava disso para me permitir na escrita. Eu era um cruel repressor das minhas vontades, da minha verve. A minha escrita estava muito engessada aos moldes tradicionais; não estava autorizado – por mim – a pular um pouco fora da risca. Ela me mostrou que, sim, eu podia. Uma grande professora de escrita falou que se aprende a escrever lendo, e lendo como escritor, com olhar crítico. Cinthia, para mim, era/é irretocável – quando buscava algum erro; poxa, ela não é humana? Passei a lê-la com o desejo de operar em mim a ânsia e o cuidado de escrever mais e melhor. Cada leitura era um convite: “Você pode também!”. É natural a dúvida provocada por essas palavras exageradas que escrevo, mas não são fruto de uma obsessão aleatória, garanto. “Por que você não se apegou a Raduan Nassar, a Gonçalo Tavares?”. Ora, claro que me apeguei, mas em medidas diferentes. Nassar canta ao escrever. Gonçalo abusa do mel e do fel. Cinthia simplesmente brinca e voa. Comecei a ler tudo de Cinthia. Na pandemia foi minha companhia presente. Noutro dia, em 2020, entrei em contato com ela pelo falecido Facebook, pedindo para que escrevesse a orelha de apresentação de meu livro de contos. Ela me atendeu com uma bondade incrível. A sua generosidade está na mesma porção da grandeza. E eu ainda aprendo – ansioso, sempre, por uma nova publicação –, e espero ser liberto na próxima esquina, quando escrever.
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Adriano Espíndola Santos (Instagram | Facebook) é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”; em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, pela Editora Penalux; e em 2022 a coletânea de contos “Não há de quê”, pela Editora Folheando. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.
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Referências
COSTA, Priscila Fernandes. Todos os abismos convidam para um mergulho. Disponível aqui. Acesso em: 14 nov. 2023.
RICCIARDI, Luigi. Todos os abismos convidam para um mergulho – Cinthia Kriemler. Disponível aqui. Acesso em: 14 nov. 2023.
UnBTV. Tirando de Letra: Cinthia Kriemler. Disponível aqui. Acesso em: 14 nov. 2023.