NÃO FALO DESSA LIBERDADE – ADRIANO ESPÍNDOLA SANTOS

Coluna | Anseios Crípticos


 

Há uma falha no desejo pleno, que se chama razão. Falo inclusive da liberdade. Ansiar a liberdade é flanar, com turbulências, em quimera. É sempre aspirar a um porvir, que nunca chega. Quando se nasce, existe uma redoma de diretrizes a seguir: devo ser educado; devo estar em ordem com as determinações vigentes, nem que isso seja “aceitar” estar num país que permite o uso de armas; devo obedecer; devo ser ético – quando a ética é essência, e não norma. Para quê um formato hermético de educação? Se o educando tem as suas experiências, seus dilemas, por que não ser o sujeito ativo da sua aprendizagem? – ainda que julguem, hoje, ser o aluno o sujeito ativo, definidor do seu destino. Não o é. Quando se vê, se está entranhado nas amarras do sistema, que é capitalista e demanda um comportamento diretivo para o ganho de capital, como meio de sobrevivência. Tenho lido muita coisa a respeito. Julián Fuks alberga umas tantas inquietações, nas suas prosas/crônicas publicadas por aí. Outro dia falou sobre o novo presidente argentino. Quem é essa figura? Um sujeito caótico na sua vida privada pode resumir bem os entraves a que os argentinos estão implicados para, infelizmente, os próximos anos. Tudo isso para dizer que o capitalismo apresenta o distúrbio da injustiça e da grave forma a que a vida humana é submetida. Darei o meu exemplo: sou um profissional autônomo, que anseia ser artista – diga-se, é uma grande sorte viver da arte, nesse contexto. Pego uma pilha de contratos para elaborar, para revisar, para que os contraentes sejam, ao fim e ao cabo, mais ricos, e, com isso, desperdiço o meu tempo, que deveria ser dedicado à arte. Não posso, por exemplo, louvar a beleza, porque tenho de apaziguar os ânimos de um proprietário de um bem que deseja receber do inquilino o imóvel com um sanitário novo, no banheiro social, porque tem corrosões que não batem com a vistoria de entrada. A vontade é de mandá-lo para o quinto dos infernos, por ser tão ambicioso e pela vida inútil, aderida ao dinheiro – será que não há nada além disso? Uma vez me perguntaram se a minha vida mudou quando fiz o mestrado – a pessoa falava em dados práticos: em dinheiro. Respondi que não, se era isso que ele queria ouvir; que não havia enriquecido. Ele disse que não quis dizer o que disse. Retruquei que os meus ganhos são inestimáveis para a precificação nesse falido sistema. Ele riu, decerto sem entender como poderia falar de um sistema falido se ele era rico. Sim, enriqueceu às custas do sofrimento alheio, inclusive o meu. O giro, minha cara leitora, é para certificar que a resistência nunca acaba, como se sugere no livro de Fuks. Estamos sempre na peleja para desmantelar o sistema, mesmo o militar/capitalista, que controlou a liberdade e a vida integral de tantos, no Brasil e na Argentina, por exemplo. Resistir, pela justiça social, pela dignidade humana, pela liberdade, pela capacidade inata, que nos é dada, para sermos propagadores da beleza, em suas diversas maneiras. A liberdade está logo ali?

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Adriano Espíndola Santos (Instagram | Facebook) é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”; em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, pela Editora Penalux; e em 2022 a coletânea de contos “Não há de quê”, pela Editora Folheando. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.

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Referências

Cult. “O Brasil é incapaz de refletir sobre seu passado”, diz Julián Fuks. Disponível aqui. Acesso em: 28 nov. 2023.

FUKS, Julián. Início e fim de um homem intratável e triste: o personagem Javier Milei. Disponível aqui. Acesso em: 28 nov. 2023. 

FUKS, Julián. O cansaço da ficção. Disponível aqui. Acesso em: 29 nov. 2023.