INVENTAR UMA DESPEDIDA – VALENTINA BASCUR MOLINA

Coluna das Ausências


em menos de vinte metros quadrados
invento uma despedida

sem corpo, sem ritual.

queria estampar o teu doce olhar nas paredes da cidade

uma lembrança da ferida
que é estar viva,
da costura que fazemos
pra torná-la possível, amável, vivível.

lembrança das pontes que construímos,
dos abraços que nos oferecemos.

quando deito na água,
olho pro céu e te vejo,
amiga infinita.

que budas e dakinis te abracem na imensidão

Perdi uma amiga para o suicídio e o impacto é tão imenso que as palavras escritas não dão conta. Queria poder pausar o mundo, que os ruídos se calem, que as flores se recolham, que o mar se acalme, que o vento permaneça quieto. Mas a vida é implacável.

Sinto que dei de cara contra a parede, sinto que enquanto sociedade, enquanto comunidade humana falhamos, fracassamos, que nossos esforços foram insuficientes. É tão difícil conceber a ausência repentina de uma pessoa querida. Como é que faz?

Nos acostumamos?

Carregamos a ausência de quem amamos como pedras no sapato?

Por que parece tão difícil parar? Por que os processos de luto estão sendo cada vez mais individuais, solitários, sem forma, sem ritual, sem abraço? 

As tentativas por levantar o assunto sobre acolhimento e cuidados em saúde mental nas instituições que faço parte, têm sido todas frustradas. Não sei muito bem o que se faz com tanta impotência, mas me parece que a morte trágica de uma jovem mulher não deveria passar despercebida. 

Como nos educamos para ser uma rede compassiva para os outros? Como acolhemos o sofrimento de quem nos aciona? Como tiramos o suicídio do armário? 

São dias de perguntas difíceis. De tentar abraçar o mistério com o amor que me resta. 

____________________
Valentina Bascur Molina é pesquisadora, poeta, escritora e tradutora. Mestre em Estudos Feministas pela UFBA. Nasceu e cresceu em Temuco, território de Wallmapu, Chile. Reside no Brasil há nove anos. Autora de “Kümedungun: trajetórias de vida e a escrita de si de mulheres poetas Mapuche”, publicado pela Editora Urutau, selo Margem da Palavra, em 2021. Integra o Núcleo Feminista de Dramaturgia, espaço em que desenvolve projetos de escrita e pesquisa coletiva com outras autoras, sob orientação de Maria Giulia Pinheiro.