O MEU LUGAR – ADRIANO ESPÍNDOLA SANTOS

Coluna | Anseios Crípticos


 

Como relatou Gabriel García Márquez, a propriedade na fala (na escrita) está em expandir, sem sair do cerne, da sua origem. Nas minhas aventuras prosaicas, tenho testado falar sobre outros lugares, que nunca visitei ou senti. Dessa forma, tenho a impressão de ser muito burocrático, pelas buscas na internet para achar substância no que escrevo. Leve mesmo me sinto quando falo de meu lugar. Leve no sentido de fluir o texto. É como se a escrita viesse pelo fluxo de consciência; como sendo algo guardado nas entranhas, que eu deixasse sair. Não só as memórias de leituras me deixam seguro, mas, sobretudo, as memórias do que vivi. Falam hoje de “escrevivências”, com o que me filio. É assim que entendo a escrita de Jarid Arraes, grande escritora, referência para os meus quintais. Cearense como eu, expande sem sair do lugar, mostrando, como fez tão bem em seu “Redemoinho em dia quente”, a realidade de mulheres vívidas e cativantes. Para dizer mais, escrever sobre o cotidiano é uma tarefa que exige do escritor alguma dose de desapego, sem descartar o pertencimento. Não se trata de autoficção, ainda que o possa ser, mas, sim, de uma verve aquecida pela experiência, pelas histórias contadas e recontadas dos seus, pelos sabores e dissabores de vidas calcadas no chão da vida. Em meados de 2020, fui chamado para um projeto, para escrever contos, em uma revista literária, relativos à realidade sertaneja do meu Ceará, especialmente. Logo, nascido na urbe alencarina, tive medo, apesar de ter pai, avô e muitos familiares originários do sertão central e do extremo sul do estado, bem como ter frequentado, sempre que possível, os nossos lugares. Não senti na pele as pelejas de meu pai, que tinha de atravessar léguas para buscar água; nem de meu avô, que cuidava dos bichos do seu pai e entregava leite fresco nas casas dos fregueses. Vieram para a promissora capital, enfrentaram a sorte e conseguiram alguma segurança, tendo perdido muito de vivência com seus pais e irmãos. O editor da revista queria uma periodicidade mensal para a entrega dos contos. Com o objetivo de ser fiel e honesto com o grande múnus, almejava ir ao interior, visitar os familiares, saber de suas histórias, com maior frequência, pelo menos uma vez por semestre. O projeto, infelizmente, por questões pessoais do editor, foi abafado e esquecido com o tempo. Contudo, até hoje penso que, se tivesse vingado, eu teria muito mais propriedade para falar do meu lugar, esse que corre no sangue; as memórias celulares seriam vibrantes para despertar alguma centelha de iluminação à minha escrita – ainda que não deixe de fazê-lo, por pura ousadia e paz pessoal.

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Adriano Espíndola Santos (Instagram | Facebook) é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”; em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, pela Editora Penalux; e em 2022 a coletânea de contos “Não há de quê”, pela Editora Folheando. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.

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Referências

LEITES, Amália Cardona; DALCIN, Camila. Vozes femininas decoloniais em Redemoinho em dia Quente, de Jarid Arraes. Acta Scientiarum: Language and Culture, Maringá, v. 44, e59758, 2022. 

RICCIARDI, Luigi. Redemoinho em dia quente – Jarid Arraes. Disponível aqui. Acesso em: 15 abr. 2024.