TUDO SÃO FLORES – ADRIANO ESPÍNDOLA SANTOS

Coluna | Anseios Crípticos


 

Estou compilando uma coletânea de contos. É superdifícil escolher um texto eficaz, diria assim. A vontade que dá é sair cortando, eliminando o que aparentemente é supérfluo. Não gosto, absolutamente, da sensação de estar enchendo linguiça, como se o livro tivesse de ser grande para atrair a atenção do público. Os menores livros são os que mais me encantam – mas não posso generalizar –, como Pedro Páramo, de Juan Rulfo; Amálgama, de Rubem Fonseca; e A desumanização, de Valter Hugo Mãe, sem contar a prosa fina e curta de Raduan Nassar. Quanto mais objetiva a leitura se torna mais íntima ao leitor. Nesse seguimento, faço um giro pelas minhas leituras e me lembro, com prazer, do livro Tudo é Rio, de Carla Madeira. Ela nos brinda com uma escrita estritamente objetiva, com pouco ou nenhum floreio – o que não é um crime –, e pela dança da escrita. Ela escreve como se dançasse nas folhas em branco, até tingi-las, para decifrarmos. Tudo são flores por onde passa. Fico aí pensando na minha técnica, se devo apurá-la, porque muitas vezes me acho prolixo demais, para trazer a ambiência da cena ou para mostrar em detalhes um fato. Não é exatamente demais, porque Tchekov fazia isso muito bem… apesar de em “A estepe” ele ter saturado um pouco mais – nem tudo são flores – as experiências por que ia passando. Tenho feito, na verdade, o exercício intimista da leitura do que escrevo em voz alta – no dizer de Marcelino Freire, “como quem reza”. É de fato um momento em que apreendo aquilo que excede. Ler calado é como se, também, emudecessem-se as palavras, pelo menos para quem escreve. Tenho a ânsia de passear por aí como Carla Madeira, com a sutil delicadeza de escrever para que seja lida – não para que uns e outros possam ler, mas para que todos possam ler e compreender. Quero escrever com a fluidez da água corrente, para desaguar em algum lugar, e que seja a mente do leitor. É, sim, uma autora com que me identifico, por isso a minha preocupação em lê-la. Não de ler de qualquer jeito, à toa; o ato de ler tem o significado, para mim, da aprendizagem, do saber mais, do aperfeiçoamento. Carla talvez nem saiba que sua dádiva, além de escrever para ser lida, é de escrever para ensinar. Não há esforço, nem entremeio, nem maldito, mal comunicado, tudo se faz e se apraz pela força da palavra certeira, daquela que angaria mais feição, ou daquela que se amolda ao paladar do leitor – é assim que sinto. Verdade é que Carla precisa ser lida, e isso não é nenhum pedido ocioso ou pagão. É pecado escrever além do essencial – isso sim –, e eu, como bom cristão, escrevo até aqui, para mostrar a verdade da boa escrita, que aprendi com Carla Madeira.

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Adriano Espíndola Santos (Instagram | Facebook) é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”; em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, pela Editora Penalux; e em 2022 a coletânea de contos “Não há de quê”, pela Editora Folheando. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.

Foto: Marcia Charnizon