DIABRURAS – ADRIANO ESPÍNDOLA SANTOS

Coluna | Anseios Crípticos


 

Esta talvez tenha sido a primeira vez em que me deparei com uma leitura exótica, o “O enterro do lobo branco”. Exótica no sentido de diferente, de transgressora. Ou talvez a palavra transgressora se ajuste mais. Eu vi, a partir daí, as possibilidades que a língua pode oferecer. Você veja que o livro não tem pontuação. Imaginei, ao pegar a leitura, que seria hiperdifícil, mas na verdade se tornou muito fluída, um leve deslizar dos olhos pelas páginas pungentes; ou um leve deslizar para cada arrepio, porque a história, pelo que me lembro, é cheia de pequenas tramas envolvidas, que dão ao livro uma versatilidade incrível. Márcia Barbieri é uma das escritoras contemporâneas que mais me encanta, e falo isso ainda devendo a leitura de “A puta”, que já está separado num lugar muito especial. A edição, que reputo linda, não estava mais à venda pela editora, então tive de consegui-la num sebo virtual. Márcia Barbiere me remete a um autor por quem sou fascinado, José Saramago: para eles, ao que parece, a língua não tem domínio; é de todos e plural. De fato, como não pensar que a língua é plural, diversa, e poder com ela brincar, apresentar novos traços? E é justamente aí que novas jornadas se impõem. O livro “A Jangada de Pedra”, pelo qual tenho grande apreço, é um desses tipos que se assemelham a “O enterro do lobo branco”, apesar de serem marchas completamente diferentes, mas com escopos parecidos, o de chocar, primeiramente, e o de apresentar o novo. Ah, como é lindo deparar-se com o novo na poesia, na arte literária em si. É o desejo ferino de que há fôlego, de que sempre há espaço para o novo. E há de se falar também na coragem de empreender uma jornada não traspassada por ninguém, ou, pelo menos, pouco usual, terra pouco batida. O artista é essencialmente transgressor, e é o que se espera de uma obra pronta e acabada, a mudança da rosa dos ventos, o perder-se sem guia, para depois se achar no final – ou não. Repito: a fluidez do texto de Barbiere me gerou uma nova perspectiva, como essa de que me utilizo agora, de escrever sem parágrafos, diretamente, também para que o texto se torne fluido e acompanhe o fôlego do leitor. Claro que estas linhas, assim, têm a ver também com o mestre José Saramago, com as diabruras de Valter Hugo Mãe e com as inúmeras facetas de Raduan Nassar (que pretensão a minha, não!?). Pois é assim que a matéria bruta da poesia tem de fluir, para demarcar novos caminhos e abrir novas possibilidades para os velhos e novos visitantes dessa cadeia universal e humana que é a escrita, a literatura.

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Adriano Espíndola Santos (Instagram | Facebook) é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”; em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, pela Editora Penalux; e em 2022 a coletânea de contos “Não há de quê”, pela Editora Folheando. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.