Coluna | Anseios Crípticos
Leio para me pacificar, principalmente. Leio para extravasar, também. Leio para sobreviver, por que não? Que dramática é a verdade! Mas sou de ler para aprender como se deve escrever uma boa prosa. Para isso, tenho buscado escritas diversas, parte delas de âmbito contemporâneo. Há alguns anos, conheci Aline Bei. Escritora ardorosa, ela mostra uma escrita muito peculiar, em que, pode-se dizer, há versos despretensiosos em prosa. Não é nada novo tudo isso, mas chama a atenção a sua sutileza na escolha das palavras. Não há escrita atravessada por palavras nulas. Tudo tem sentido. É um arcabouço lindo de novidades. Ler Aline Bei pacificou-me a ponto de querer ler com paciência, com vontade de não acabar logo. Além do mais, ela prova que é possível escrever sem contornos ou regras. É preciso se espalhar no papel, abrir os braços para tocar as duas margens, ou não. É a liberdade da escrita, que ora povoa o pensamento de um seduzido. “Pequena coreografia de um adeus” é uma bela prosa que toca na ferida dos relacionamentos embaraçados. Mãe e filha; filha e pai. É ao mesmo tempo singelo e forte. Júlia, a protagonista, ensaia conduzir sua vida em meio aos desconfortos agressivos vividos entre pai e mãe separados. Ela se lembra de momentos únicos da infância e adolescência, para aprender a sua particular coreografia. Que implicações há nessas relações para a vida de um filho? Aline Bei procura apresentar um cenário em que os medos e as contradições são contrapesados pelo valor da independência e pelo amor-próprio. Não que isso provoque a desconsideração dos sentimentos. Eles são e estão para serem elaborados e conduzidos na senda de uma vida, que precisa ser experimentada, mesmo com os “poréns”. Quero dizer, nessas linhas finais, que Aline Bei, muito atenta à novidade, celebra a libertação na escrita, com a beleza da poesia e com a cadência da boa estrutura narrativa. Reina, no presente, a boa dose de sustentação do singelo; tudo que é ínfimo, mas que tem um potencial gigantesco de ser poesia. É o que se pode colher da poesia de Manoel de Barros, mestre dos versos curtos e chocantes – no sentido de se perguntar como é possível poetizar o que é tão pequeno. Depois de tudo que relatei, ao ler Aline Bei, consegui me abrir para novos projetos – há um livro meu, não publicado, que versa (em prosa) o que se pode dizer em poucas frases, agudas. Em tempo de guerra interna (em que passo por tratamento de uma depressão profunda), nada mais justo do que enfrentar prosas e versos para pacificar e para extrapolar a resistência da dor. Tenho feito isso, com muito cuidado e amor, até mesmo nas minhas escritas, para a finalidade do que devo repetir: a libertação.
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Adriano Espíndola Santos (Instagram | Facebook) é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”; em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, pela Editora Penalux; e em 2022 a coletânea de contos “Não há de quê”, pela Editora Folheando. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.
Foto: Renato Parada