Coluna | Alguma coisa em mim que eu não entendo
ah pronto. a primavera, esse clichê anual, chegou na garupa do el niño jorrando arco-íris e novidades literárias. então bora surfar, né.
já já se materializa, depois de uma longa crisálida, meu lagarta chã, novo livro de poemas que só falta ser impresso. é pouco, é logo, é breve. aguardem lançamentos e possíveis minidiscursos-bêbadoemocionado.
logo depois, vem a festa literária internacional de Paraty, e com ela uma novidade que anda me tirando o sono mas também sorrisos: a casa queer, primeiro espaço dedicado à temática lgbtqiapn+ (e a todas as diversidades) na história da flip!
pra comemorar & abrir o apetite, compartilho aqui dois poemas queer do lagarta chã, incluindo aquele do qual tirei o título do livro. (ah, e se quiser saber mais sobre a casa queer e apoiar o projeto, segue a gente no instagram @acasaqueer e dá uma olhada na vakinha online. toda ajuda é muito muito MUITO bem vinda!).
o que é sem que se queira
eu sou o patriarcado
mesmo desejando
— desejo: alavanca
e porta na cara
(camisa-de-força)
da existência —
não sê-lo
como aquela que nasceu
cromossomicamente macho
mas quer sê-la
como a primeira andorinha
a cruzar o atlântico em
rota migratória rumo a
tornar-se(r) quem
é
a primeira (anfíbia)
rã hermafrodita
alvo do soslaio do charco
lagarta que inventou a coragem
de se tecer borboleta
monarca
até que tantas outras
a seguissem hasta cubrir
el cielo de méxico
mas eu não
não eu
em mim, lagarta chã
sem verão
o desejo é ladainha
diária
dança, fome, pele que respira
tenaz exercício mitocondrial
mas não alcança
(:) transformação
da luz em folha
da seiva em flor
do que é num algo
diverso que
já não é mais
(sem deixar de)
eu sou o patriarcado
— sei, sinto, choro e luto —
até que não (o) sejamos mais
nós
tod@s
transformad@s
a imagem do som
no quarto claro
como um museu
a imagem do som
de caetano veloso
mas tu é gostoso
olha quem fala
depois sorriu
ficou
choveu
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Thássio Ferreira é escritor, autor de (DES)NU(DO) (Ibis Libris, 2016), Itinerários (Ed. UFPR, 2018), agora (depois) _(Autografia, 2019) e Nunca estivemos no Kansas (Patuá, 2022). Tem poemas e contos publicados em revistas e antologias, como Revista Brasileira (nº 94), da Academia Brasileira de Letras, Escamandro, Gueto, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Germina, Revista Ponto (SESI-SP), aqui na Vício Velho, InComunidade (Portugal), e outras. Seu conto _Tetris foi o vencedor do Prêmio Off Flip 2019, e seu livro inédito Cartografias, finalista do Prêmio Sesc 2017. Foi editor e curador da Revista Philos de Literatura Neolatina. Mantém página no Facebook e o Instagram