INICIÁTICA – VALENTINA BASCUR MOLINA

Coluna das Ausências


 

Continuo seguindo os passos de Gabriela Mistral, maestra de mi vida. Dessa vez, as buscas me levaram até Helena Petrovna Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica.

Pesquisas recentes apontam que dentro das disciplinas espirituais que Mistral praticava, o ocultismo de Blavatsky aparecia nos seus registros. Motivada por uma sede viva que procura as pistas de uma grande mestra, fui assistir a estreia da peça “Helena Blavatsky e a Voz do Silêncio”. Atravessei a cidade acompanhada pela luz amarela do sol enquanto se escondia por trás da Pedra da Gávea.

O meu peito se apertou ao ver a atriz entrar em cena, pois parecia estar em presença da própria madame Blavatsky. Uma peça didática, sensível e ao mesmo tempo extremamente simples, com um texto adaptado pela professora Lúcia Helena Galvão, quem na sua generosidade nos ofereceu um monólogo acessível e contextualizado aos tempos atuais.

Evoco sentimentos ambíguos ao lembrar desse dia, pois a minha atenção estava dividida entre aproveitar a experiência teatral e procurar a forma mais rápida e segura de voltar para casa. Estava ficando cada vez mais tarde e eu inquieta o suficiente para me tirar o foco de uma peça tão intensa e profunda. O resto da plateia não parecia preocupada com o horário do transporte público, não parecia ter atravessado a cidade para chegar ao teatro de um shopping no coração da zona sul do Rio de Janeiro. As pessoas sorriam placidamente enquanto a noite se aproximava. 

A atriz proferiu as palavras finais do seu monólogo e simplesmente voei até a parada do ônibus. Durante a jornada tentava me tranquilizar imaginando como Blavatsky teria enfrentado tantas viagens sozinha mundo afora. As suas travessias pelo Tibet e pela Índia quando ainda era território desconhecido para as mulheres andarilhas.

A rua noturna se mostrava inóspita e hostil. Com as pernas enrijecidas e as chaves entre os dedos, andei a passo firme trocando olhares de tensão com outras poucas mulheres que caminhavam no mesmo ritmo de sobrevivência.

Cheguei em casa ofegante, com o coração palpitando descompassadamente. Tinha sido uma noite iniciática, mais uma entregue aos azares do meu corpo na rua. No fim da jornada, fiquei com a sensação de que a maior revolução espiritual seria poder voltar para casa em segurança. Mas essa ainda não aconteceu.

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Valentina Bascur Molina é pesquisadora, poeta, escritora e tradutora. Mestre em Estudos Feministas pela UFBA. Nasceu e cresceu em Temuco, território de Wallmapu, Chile. Reside no Brasil há nove anos. Autora de “Kümedungun: trajetórias de vida e a escrita de si de mulheres poetas Mapuche”, publicado pela Editora Urutau, selo Margem da Palavra, em 2021. Integra o Núcleo Feminista de Dramaturgia, espaço em que desenvolve projetos de escrita e pesquisa coletiva com outras autoras, sob orientação de Maria Giulia Pinheiro.